terça-feira, 27 de novembro de 2012

Triunfo – O verdadeiro herói (2 de 5)



O prefeito apertava forte a mão de Alex Drake, enquanto todos os seus colegas o aplaudiam. Há uma semana afastado do trabalho, tempo que dedicou a ficar com a família de Milton e enterrar o amigo, Drake não se surpreendeu com as câmeras de televisão na delegacia central. Era a sua promoção a sargento, mas não era atrás deles que os repórteres estavam. Todos queriam uma imagem do mais ilustre participante da cerimônia: o Major Triunfo.

Era sempre assim. Toda vez que havia alguma grande ação criminosa que era contida pelo herói de Blue Lake City o comissário Fisk escolhia um policial para promover. Uma forma de dizer “você é o verdadeiro herói”, quando todos sabiam que aquilo não era verdade.

O Major Triunfo fez um belo discurso para as câmeras. Disse o quanto a ação de Alex e Milton havia sido importante para que ele pudesse novamente prender Agridoce. Nada perto da verdade. Drake recebeu os cumprimentos do herói, foi saudado pelos colegas e saiu da sala. Foi fazer o que sabia melhor. Trabalhar.
Alex Drake conhecia todas as pessoas presentes à cerimônia. O prefeito, o comissário, o Major, os policiais, os repórteres eram os mesmos de sempre. Mas uma mulher era novidade. De cabelos louros bem lisos na altura do ombro, óculos escuros de estilo aviador e terninho preto, ela se destacava em meio à multidão de comedores de rosquinhas.

“Esta é a sua nova parceira”, disse o comissário Fisk, quando os dois finalmente foram apresentados. “Detetive Linda Grant.” Drake até pensou em dizer que não precisava de uma parceira, que poderia trabalhar sozinho, mas aquilo não era verdade.

Alex e Linda nunca haviam se conhecido, mas ele sabia bem quem era ela. Fora transferida de Moonlight City algumas semanas ates da morte de Milton. Mas não era esta a parte impressionante. Grant era ginasta. Um grande atleta até o início de sua adolescência, quando cresceu demais para os padrões do esporte. Acabou utilizando suas habilidades na academia de polícia, onde era mais forte que a maioria, podia saltar mais alto e tinha impressionantes habilidades marciais. Se tornou uma lenda em sua cidade. Mas quando denunciou seu parceiro para a corregedoria por relações com criminosos, ela preferiu pedir transferência.
“Eu sinto muito pelo seu parceiro”, Linda falou, tirando os óculos escuros. Os olhos eram muito claros. “Sei que vocês eram amigos.” Alex conduziu a moça até sua nova mesa, aquela que pertencia a Milton. Ainda havia uma foto do sargento com a mulher e o filho sobre a mesa. “Eu também lamento muito”, Drake guardou a foto em sua gaveta.

O agora sargento Alex Drake sentia que ainda havia um último trabalho a ser feito com Milton Schulz. Ele se lembrava do amigo, se preparando para enfrentar Agridoce, comentar um caso. Duas pessoas mortas e amarradas. Dois namorados. Ele pediu que Linda reunisse tudo o que pudesse sobre o caso.

Algumas horas depois, ela voltou com muitos papéis e fotos na mão. “Você sabia que arquivaram este caso?”, o tom de voz era pura indignação. “Alegaram que foi crime passional seguido de suicídio! Olhei essas fotos mil vezes e não consigo entender como alguém se mataria estando tão bem amarrado assim. Ou como se amarraria logo depois de se matar.”

Aquilo era normal em Blue Lake City. Qualquer caso que não tivesse ligação com o Major Triunfo era rapidamente arquivado. Era como se toda a polícia trabalhasse para dar destaque ao trabalho do herói. “Vou te explicar uma coisa, Grant. É assim que funciona por aqui. O prefeito está velho e não pode se reeleger. O comissário Fisk é ambicioso e conta com o apoio do Major. Se não der destaque na mídia, ou seja, se não tiver o Major envolvido, os casos vão para a gaveta.”

Linda riu com a sinceridade do sargento. “Parece até que você não gosta do Major Triunfo...” Drake não achou tanta graça. “Não gosto mesmo”, disse ele. “Esse anjo que paira sobre a nossa cidade escolhendo a quem salvar e quando salvar... É muito fácil brincar de herói quando um tiro não pode te machucar. E quando não se encara as consequências de seus atos. Me lembro de quando ele surgiu. Deu uma entrevista ao Blue Lake Chronicle dizendo que era só um sujeito comum até encontrar uma nave alienígena. A nave falou com ele, lhe deu grandes poderes como habilidade para voar, a força de cem homens, pele mais dura que que um diamante e a capacidade de soltar raios pelas mãos. Ele, então, percebeu que a cidade estava tomada pela violência e a polícia não era capaz de lidar com os problemas sozinha. Por isso, preparou um uniforma, adotou a alcunha de Major Triunfo e se apresentou como a salvação para todos os males.”

“Ele salvou muita gente, tenho que reconhecer”, Drake olhava as fotos do caso enquanto falava, “mas até que ponto isso é bom? Quando ele surgiu, os problemas que tínhamos eram assaltantes de banco e ladrões de carro. Mas parece que a presença dele nos céus se tornou um desafio para os loucos. Uma competição para ver quem conseguiria derrubar o herói de Blue Lake City. Você não deve se lembrar, era apenas uma criança. Um homem vestido de polvo...”

“Vestido de lula”, interrompeu a detetive. “Isso mesmo”, concordou Alex, “ele tinha até uma arma que disparava nanquim, como eu poderia esquecer. O Calamar, acho que esse era o nome dele, invadiu a assemblei legislativa e ameaçou matar um dos deputados. Me lembro que ele espalhou aquele nanquim nojento por todo o lugar. Eu tinha acabado de me tornar policial e ainda trabalhava nas ruas. Eu e alguns colegas fomos destacados para isolar a área e tentar conter o cara. Não estava nada fácil. Foi então que o Major Triunfo apareceu. Eu fiquei de boca aberta, vendo ele voar para dentro da assembleia, quebrando uma parede. O Calamar tentou airar nanquim nele, mas não conseguiu. O homem era rápido demais. Foi então que nós percebemos que os tentáculos nas roupas do Calamar eram mais do que enfeite. Eram membros biônicos que ele controlava por meio de um dispositivo em seu capacete. E aqueles tentáculos deram uma canseira no Major.”

Drake parecia especialmente abalado ao lembrar do caso e Linda percebeu que o desapreço do sargento pelo trabalho do herói não era recente. Não havia surgido com a morte de Milton Schulz, como ela supunha. “O triunfo do Major estava cada vez mais distante. Nunca vi o cara apanhar como daquela vez. Com o pouco de força que ainda tinha, nosso destemido herói agarrou o Calamar, cruzou uma parede e mergulhou no tanque de um caminhão de combustível. Foi a maior explosão que eu presenciei na minha vida. O Calamar morreu na hora e o Major saiu intacto de dentro das chamas. A foto estampou o jornal do dia seguinte, celebrando todo o poder do herói. O que não saiu foi o efeito colateral. Outras treze pessoas morreram com a explosão. Treze policiais que isolavam a área. Treze amigos meus. E, depois disso, em vez de ir para a cadeia, em vez de pelo menos levar um puxão de orelha, o Major Triunfo foi homenageado com uma estátua em frente à assembleia.”

Emocionado, um pouco revoltado, Alex ficou quieto por um tempo. E Linda respeitou. Ficaria ali, ao lado dele, calada, até que ele se sentisse à vontade para conversar novamente. Mas um detalhe fez com que a detetive quebrasse o silêncio. “Uma parte do relatório foi apagada!” Drake puxou o papel da mão dela e examinou com cuidado. Alguém havia escrito algo a lápis, mas outra pessoa decidiu que aquilo não deveria constar oficialmente no documento. Com um pedaço de grafite, o sargento esfregou a folha até que as letras em baixo relevo pudessem ser lidas.

“As perfurações nos corpos das vítimas foram infligidas a uma distância de cerca de dois metros. Pela profundidade e pelas lacerações, acredito que se trata de flechadas.” Os comentários eram assinados por um dos peritos do laboratório forense. Um homem de cabelos e barbas muito longos chamado simplesmente de Ted. Drake e Grant foram pedir ajuda.

“É exatamente como eu escrevi. Aquilo jamais foi um crime passional seguido de suicídio. Pela minha experiência, diria até que os dois passaram por grande trauma psicológico ates de serem mostos e os corpos foram lavados ates de serem amarrados”, disse Ted. “Amarrados como um abraço, que tipo de demente faria isso?”

Drake disse que queria reabrir o caso e perguntou se Ted podia ajudá-lo a encontrar mais provas. “Certamente”, respondeu o perito. “O comissário nunca vai permitir que eu examine os corpos novamente, mas acabei de ouvir algo pelo rádio. Acharam dois corpos amarrados em condições semelhantes em um escritório agora há pouco.”

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