O prefeito apertava forte a mão de Alex Drake, enquanto
todos os seus colegas o aplaudiam. Há uma semana afastado do trabalho, tempo
que dedicou a ficar com a família de Milton e enterrar o amigo, Drake não se
surpreendeu com as câmeras de televisão na delegacia central. Era a sua
promoção a sargento, mas não era atrás deles que os repórteres estavam. Todos
queriam uma imagem do mais ilustre participante da cerimônia: o Major Triunfo.
Era sempre assim. Toda vez que havia alguma grande ação
criminosa que era contida pelo herói de Blue Lake City o comissário Fisk
escolhia um policial para promover. Uma forma de dizer “você é o verdadeiro
herói”, quando todos sabiam que aquilo não era verdade.
O Major Triunfo fez um belo discurso para as câmeras. Disse
o quanto a ação de Alex e Milton havia sido importante para que ele pudesse
novamente prender Agridoce. Nada perto da verdade. Drake recebeu os
cumprimentos do herói, foi saudado pelos colegas e saiu da sala. Foi fazer o
que sabia melhor. Trabalhar.
Alex Drake conhecia todas as pessoas presentes à cerimônia.
O prefeito, o comissário, o Major, os policiais, os repórteres eram os mesmos
de sempre. Mas uma mulher era novidade. De cabelos louros bem lisos na altura
do ombro, óculos escuros de estilo aviador e terninho preto, ela se destacava
em meio à multidão de comedores de rosquinhas.
“Esta é a sua nova parceira”, disse o comissário Fisk,
quando os dois finalmente foram apresentados. “Detetive Linda Grant.” Drake até
pensou em dizer que não precisava de uma parceira, que poderia trabalhar
sozinho, mas aquilo não era verdade.
Alex e Linda nunca haviam se conhecido, mas ele sabia bem
quem era ela. Fora transferida de Moonlight City algumas semanas ates da morte
de Milton. Mas não era esta a parte impressionante. Grant era ginasta. Um grande
atleta até o início de sua adolescência, quando cresceu demais para os padrões
do esporte. Acabou utilizando suas habilidades na academia de polícia, onde era
mais forte que a maioria, podia saltar mais alto e tinha impressionantes
habilidades marciais. Se tornou uma lenda em sua cidade. Mas quando denunciou
seu parceiro para a corregedoria por relações com criminosos, ela preferiu
pedir transferência.
“Eu sinto muito pelo seu parceiro”, Linda falou, tirando os
óculos escuros. Os olhos eram muito claros. “Sei que vocês eram amigos.” Alex
conduziu a moça até sua nova mesa, aquela que pertencia a Milton. Ainda havia
uma foto do sargento com a mulher e o filho sobre a mesa. “Eu também lamento
muito”, Drake guardou a foto em sua gaveta.
O agora sargento Alex Drake sentia que ainda havia um último
trabalho a ser feito com Milton Schulz. Ele se lembrava do amigo, se preparando
para enfrentar Agridoce, comentar um caso. Duas pessoas mortas e amarradas.
Dois namorados. Ele pediu que Linda reunisse tudo o que pudesse sobre o caso.
Algumas horas depois, ela voltou com muitos papéis e fotos
na mão. “Você sabia que arquivaram este caso?”, o tom de voz era pura
indignação. “Alegaram que foi crime passional seguido de suicídio! Olhei essas
fotos mil vezes e não consigo entender como alguém se mataria estando tão bem
amarrado assim. Ou como se amarraria logo depois de se matar.”
Aquilo era normal em Blue Lake City. Qualquer caso que não
tivesse ligação com o Major Triunfo era rapidamente arquivado. Era como se toda
a polícia trabalhasse para dar destaque ao trabalho do herói. “Vou te explicar
uma coisa, Grant. É assim que funciona por aqui. O prefeito está velho e não
pode se reeleger. O comissário Fisk é ambicioso e conta com o apoio do Major.
Se não der destaque na mídia, ou seja, se não tiver o Major envolvido, os casos
vão para a gaveta.”
Linda riu com a sinceridade do sargento. “Parece até que
você não gosta do Major Triunfo...” Drake não achou tanta graça. “Não gosto
mesmo”, disse ele. “Esse anjo que paira sobre a nossa cidade escolhendo a quem
salvar e quando salvar... É muito fácil brincar de herói quando um tiro não
pode te machucar. E quando não se encara as consequências de seus atos. Me
lembro de quando ele surgiu. Deu uma entrevista ao Blue Lake Chronicle dizendo
que era só um sujeito comum até encontrar uma nave alienígena. A nave falou com
ele, lhe deu grandes poderes como habilidade para voar, a força de cem homens,
pele mais dura que que um diamante e a capacidade de soltar raios pelas mãos.
Ele, então, percebeu que a cidade estava tomada pela violência e a polícia não
era capaz de lidar com os problemas sozinha. Por isso, preparou um uniforma,
adotou a alcunha de Major Triunfo e se apresentou como a salvação para todos os
males.”
“Ele salvou muita gente, tenho que reconhecer”, Drake olhava
as fotos do caso enquanto falava, “mas até que ponto isso é bom? Quando ele
surgiu, os problemas que tínhamos eram assaltantes de banco e ladrões de carro.
Mas parece que a presença dele nos céus se tornou um desafio para os loucos.
Uma competição para ver quem conseguiria derrubar o herói de Blue Lake City.
Você não deve se lembrar, era apenas uma criança. Um homem vestido de polvo...”
“Vestido de lula”, interrompeu a detetive. “Isso mesmo”,
concordou Alex, “ele tinha até uma arma que disparava nanquim, como eu poderia
esquecer. O Calamar, acho que esse era o nome dele, invadiu a assemblei
legislativa e ameaçou matar um dos deputados. Me lembro que ele espalhou aquele
nanquim nojento por todo o lugar. Eu tinha acabado de me tornar policial e
ainda trabalhava nas ruas. Eu e alguns colegas fomos destacados para isolar a
área e tentar conter o cara. Não estava nada fácil. Foi então que o Major
Triunfo apareceu. Eu fiquei de boca aberta, vendo ele voar para dentro da
assembleia, quebrando uma parede. O Calamar tentou airar nanquim nele, mas não
conseguiu. O homem era rápido demais. Foi então que nós percebemos que os
tentáculos nas roupas do Calamar eram mais do que enfeite. Eram membros
biônicos que ele controlava por meio de um dispositivo em seu capacete. E aqueles
tentáculos deram uma canseira no Major.”
Drake parecia especialmente abalado ao lembrar do caso e
Linda percebeu que o desapreço do sargento pelo trabalho do herói não era
recente. Não havia surgido com a morte de Milton Schulz, como ela supunha. “O
triunfo do Major estava cada vez mais distante. Nunca vi o cara apanhar como
daquela vez. Com o pouco de força que ainda tinha, nosso destemido herói
agarrou o Calamar, cruzou uma parede e mergulhou no tanque de um caminhão de
combustível. Foi a maior explosão que eu presenciei na minha vida. O Calamar
morreu na hora e o Major saiu intacto de dentro das chamas. A foto estampou o
jornal do dia seguinte, celebrando todo o poder do herói. O que não saiu foi o
efeito colateral. Outras treze pessoas morreram com a explosão. Treze policiais
que isolavam a área. Treze amigos meus. E, depois disso, em vez de ir para a
cadeia, em vez de pelo menos levar um puxão de orelha, o Major Triunfo foi
homenageado com uma estátua em frente à assembleia.”
Emocionado, um pouco revoltado, Alex ficou quieto por um
tempo. E Linda respeitou. Ficaria ali, ao lado dele, calada, até que ele se
sentisse à vontade para conversar novamente. Mas um detalhe fez com que a
detetive quebrasse o silêncio. “Uma parte do relatório foi apagada!” Drake
puxou o papel da mão dela e examinou com cuidado. Alguém havia escrito algo a
lápis, mas outra pessoa decidiu que aquilo não deveria constar oficialmente no
documento. Com um pedaço de grafite, o sargento esfregou a folha até que as
letras em baixo relevo pudessem ser lidas.
“As perfurações nos corpos das vítimas foram infligidas a uma
distância de cerca de dois metros. Pela profundidade e pelas lacerações,
acredito que se trata de flechadas.” Os comentários eram assinados por um dos
peritos do laboratório forense. Um homem de cabelos e barbas muito longos
chamado simplesmente de Ted. Drake e Grant foram pedir ajuda.
“É exatamente como eu escrevi. Aquilo jamais foi um crime
passional seguido de suicídio. Pela minha experiência, diria até que os dois
passaram por grande trauma psicológico ates de serem mostos e os corpos foram lavados
ates de serem amarrados”, disse Ted. “Amarrados como um abraço, que tipo de demente
faria isso?”
Drake disse que queria reabrir o caso e perguntou se Ted
podia ajudá-lo a encontrar mais provas. “Certamente”, respondeu o perito. “O
comissário nunca vai permitir que eu examine os corpos novamente, mas acabei de
ouvir algo pelo rádio. Acharam dois corpos amarrados em condições semelhantes
em um escritório agora há pouco.”
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