terça-feira, 27 de novembro de 2012

Triunfo – Garota-Lebre (3 de 5)


Do centésimo andar do Kane Building, Linda Grant observava os carros passando pelas ruas de Blue Lake City. Se ela olhasse com atenção para o horizonte era possível até ver o grande lago que batizava a cidade. Ela se lembrava de sua juventude em Moonlight City, quando costumava ver a cidade do alto.

Quando Linda foi dispensada da equipe de ginástica olímpica, seu futuro parecia incerto. Em meio à adolescência e com pais frustrados pelo fim da vida esportiva, ela acabava ficando pela rua após as aulas. Se envolveu com as pessoas erradas. Muito erradas.

Numa noite, após beber demais e consumir algumas variedades de entorpecentes, Linda tentou voltar para casa. Desnorteada, ela acabou se perdendo na região mais perigosa da cidade. Dois homens surgiram de um beco e tentaram violentá-la. Ainda que estivesse bêbada e drogada, a ex-ginasta conseguiu derrubar os dois. Isso foi o suficiente para que sua vida mudasse.

Linda já estava sendo observada há algumas semanas. Dos telhados, o Cavaleiro Prateado, protetor de Moonlight City, analisava se deveria acolher a menina. Naquela noite, ele tomou a decisão. Afastou Linda das más influências e a treinou. Deu a ela um propósito. Ao lado do herói com a armadura e a espada, ela se tornou a Garota-Lebre.

Hoje, esses dias pareciam distantes, mas serviam para lembrá-la que o mundo era um lugar estranho. No escritório de Mike Porter, ela e seu parceiro, o sargento Alex Drake, acompanhavam enquanto o perito Ted tirava fotos do empresário amarrado a uma jovem. Ela de pernas abertas e ele no meio, simulando uma posição sexual. Não restava dúvidas que era o mesmo assassino do caso da semana anterior, eliminando a possibilidade improvável de crime passional seguido de suicídio.

“Como eu suspeitava, eles foram mortos por flechas”, disse Ted, alinhando a longa barba e prendendo o cabelo em um rabo de cavalo. “Mas não são flechas de um arco como Robin Hood. As lâminas são menores. Acredito que a arma do crime seja uma balestra. Os corpos estão totalmente sem sangue, o que deixa claro que eles não foram mortos aqui. Mas acho que os corpos foram amarrados nesta sala mesmo. Há algumas fibras de corda naquele tapete, mostrando que o assassino manuseou o material aqui. Para mim é só um assassino e ele carregou os corpos um de cada vez, mas isso cabe a vocês.”

Drake estava mais interessado em saber como poderia ser o assassino. A expectativa era capturá-lo antes de um novo crime. “Sargento, esta não é minha área de especialidade”, Ted comentou, “mas eu diria que é um homem frio e sério. Muito calmo, pela maneira como matou e amarrou os dois. E deve ser solteiro e sem filhos, já que ele gastou muito tempo fazendo isso.”

Linda já havia visto muitos assassinos na vida. O Cavaleiro Prateado a treinou bem para achar pistas onde parece não haver. Ele era um herói, mas não tinha poderes. Seu diferencial era o intelecto e a habilidade de combate, coisas que ele ensinou bem à sua parceira-mirim.

“Não acho que as vítimas foram escolhidas ao acaso”, a detetive afirmou. “Acho que se investigarmos bem podemos descobrir algo em comum, que nos leve ao assassino.” Drake concordou e mandou que ela se dedicasse a isso. Ele ainda investigaria a cena do crime um pouco mais.

Na delegacia, ela levantou todas as informações possíveis. Ao contrário do que dizia a imprensa, Leonard e Jennifer, as vítimas amarradas como um abraço, não eram namorados. Um tinha o telefone do outro na memória do celular, mas os registros mais antigos datavam de dois dias antes do assassinato. Leo era mecânico e Jenny trabalhava em uma loja de discos usados.

No assassinato mais recente, Mike era um empresário em ascensão e Ruth era bailarina clássica. Ela tinha um cartão de visita dele na bolsa e ele tinha o nome dela anotado na agenda. Se conheciam há pouquíssimos dias também.

Os quatro moravam em bairros diferentes, trabalhavam em áreas díspares e tinham condições de vida ímpares. Estava difícil achar uma ligação além dos assassinatos em si. Linda apelou para uma técnica que usara diversas vezes quando saltava pelos telhados de Moonlight City usando maiô branco, máscara e orelhas de lebre, mas que jamais adotara em sua vida como policial. Ligou anonimamente para a família de uma das vítimas.

Ela apostou em Ruth, pois provavelmente a família não sabia do assassinato ainda. Atendeu uma mulher. Lara, irmã da bailarina. Grant disse que queria falar com Ruth, mas do outro lado da linha informaram que ela não voltara para casa. “Estamos preocupados com ela”, Lara se controlava para não chorar. “Ela saiu de casa anteontem e não voltou. Não deu notícias. Ela foi para aquele bar e nunca mais soubemos dela.”

Quando Alex Drake voltou para a delegacia, a detetive estava empolgada. Ele não havia conseguido nada mais na cena do crime. Não havia sequer uma imagem do circuito interno do prédio que pudesse ajudar a descobrir quem era o assassino. O sistema era desligado toda noite, dando margem para que o criminoso montasse sua escultura humana durante a madrugada.

“Acho que tenho algo que possa nos ajudar”, disse Linda, sorrindo. “Eu sei que eu não deveria estar feliz, pois quatro pessoas morreram, mas eu acho que estamos perto de resolver isso. Não achei qualquer coisa que ligasse os quatro mortos além de um pequeno detalhe. Todos eles frequentavam o mesmo bar. Single’s Pub. Um bar que realiza encontros-relâmpago. Foi lá que os casais se conheceram, duas noites antes dos corpos serem encontrados. E tenho certeza que também foi lá que eles conheceram o assassino.”

“Um assassino que dá flechadas em casais que acabaram de se apaixonar”, o sargento Drake refletia em voz alta. “Acho que estamos prestes a enfrentar o próprio Cupido.” Os dois se divertiram com o apelido do criminoso.

Linda e Alex entraram pela madrugada analisando o caso. Tinham certa sintonia, ainda que no início daquele dia ele não tenha ficado muito satisfeito em ter um novo parceiro. Depois do trabalho, saíram para comer e beberam um pouco. Contaram um pouco de suas vidas, ouviram um pouco da vida do outro. Ele deu uma carona a ela até em casa. Acabaram se beijando acidentalmente, os lábios dela roçando nos lábios do parceiro. Riram nervosos. Ele perguntou se ela queria tomar mais uma bebida. Ela disse que não queria misturar trabalho com vida amorosa, mas acabou chamando-o para subir. E, de manhã, os dois foram juntos para o trabalho, com Alex usando as mesmas roupas do dia anterior.

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