quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Poema natimorto 1


se eu pudesse
amar
o mar
amaria
a Maria
também

navegaria
riria
e até cantaria
a Maria
ao mar
e além

e no mar de Maria
me atiraria
e na noite mais fria
estaria bem


terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Contra-poema 1

Para quem não sabe, as primeiras coisas que eu escrevi foram poesias. Passei anos me dedicando exclusivamente à poesia. Até que tomei birra com o tipo de coisa que eu escrevia. Deixei os versos de lado, rabiscando esporadicamente uma palavra aqui e outra ali.

Alguns anos mais tarde, voltei a escrever com regularidade, mas não eram mais poemas. Eram contos, crônicas e esboços de romances (que jamais verão a luz do dia). Mas ainda havia poesia dentro de mim. Acabei dando o braço a torcer e escrevi alguns poemas, que dividi em duas séries – Contra-poemas e Poemas natimortos.

Diferente das poesias que eu escrevia mais novo, não vejo nestes trabalhos qualquer traço de inocência ou infantilidade. Me identifico com o que escrevi e até me orgulho um pouco (muito pouco!) desses versos.

Este, abaixo, é o primeiro destes poemas e traduz um pouco do espírito que eu tentei imprimir. Espero que gostem!


acordei com um verso em mente
e lamentei:
- sou poeta novamente

fiz versos e rimas
que jurei que jamais faria
como castigo pelo meu erro
escrevi esta poesia

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Biografia – O fantasma da Lapa (6 de 6)


O português, com um balde na mão, jogava água no chão enquanto entoava um fado. Como ocorria com qualquer outro fado, Bruno não conseguia assimilar que a canção era no sue idioma. Os ponteiros do grande relógio sobre a porta da cozinha indicavam que passava das duas da manhã, mas um cliente sobrevivia no bar vazio. O ex-bancário e atual subcelebridade avançou pelo estabelecimento, esquivando-se de mesas cobertas por cadeiras de cabeça para baixo e desviando das pequenas marolas de água ensaboada que se espalhavam pelo chão desgastado pelos passos de tantos bêbados.

O garçom avisou que a cozinha já estava fechada e que o máximo que ele poderia oferecer era um chope, mas apenas um. Obrigado, mas não, obrigado. O motivo da visita era outro. Bruno estava ali em uma missão particular.

Ricardo Cruz, mais conhecido como Giovana, demorou a perceber que Bruno estava ali. O escritor terminava de entornar uma tulipa, cujo líquido estava tão quente que aranhou sua garganta. Rabiscava algumas ideias em um guardanapo.

– Bar frequentado por escritores não precisa de muita coisa – disse Giovana, quando viu que o antigo colega estava puxando uma cadeira para se sentar ao seu lado. – Não precisa de comida refinada ou de banheiro limpo. Ah, e o chope pode ser aguado, como essa porcaria que eu acabei de beber. Mas o bar precisa ter guardanapos grossos, para o caso de alguém ter uma ideia genial e não dispor de papel à mão.

O clima entre os dois era bem diferente da última vez em que se encontraram. Por parte de Giovana, o rancor havia sumido. Já Bruno não tinha mais suas dúvidas quanto ao motivo de ter virado alvo. Estavam até cordiais.

– Andei vendo algumas notícias sobre você recentemente. Colunas de fofoca. Que merda de vida a sua, hein?
Bruno riu. Merda de vida mesmo.
– Veio aqui por causa do Pestana?
– O que tem o Pestana?
– O velho morreu. Ontem. Ficou uma semana internado com pneumonia e empacotou.

Bruno fez sinal para o português e pediu dois chopes. O garçom disse que já tinha avisado que só daria um, mas Giovana resmungou e o homem trouxe duas tulipas. Como se fossem amigos, Bruno e Ricardo brindaram à vida de um velho que nem conheciam direito, mas que de certa forma os unia mais do que a amizade que tiveram no colégio.

– Eu te entendo e te respeito, Ricardo. De verdade. Você me prejudicou pra valer, mas teve seus motivos e eu não vou questioná-los. Mas acho que agora está na hora de resolvermos isso.
– Você vai me processar ou prefere me dar um soco? Eu se fosse você optaria pelo soco. Não tenho um tostão.
– E não tem mesmo – gritou o português – esse viadinho me deve uma fortuna.
– Tive uma ideia muito melhor – afirmou Bruno. – Quero te contratar.
– Contratar? Para quê?
– Ora, para escrever um livro. Minha biografia.
– Quer que eu seja seu ghost writer?
– Melhor que isso. Quero que Ricardo Cruz assine o livro. Nada de Sandro Pestana ou Giovana. Dessa vez, quero que seja o seu nome que estampe a capa.
– Eu já fiz uma pesquisa sobre a sua vida e já escrevi uma biografia sua. O que você espera com esse livro?
– Que você manipule as informações. Distorça os fatos. Faça tudo o que você não fez no outro livro.
– E o que eu ganharia com isso?
– Muito simples. Coloque Ricardo Cruz como um personagem relevante do livro. E distorça os fatos a seu favor também.

Giovana se interessou. Os dois foram para o apartamento do escritor onde, com um exemplar de “Não fui sincero com você” em mãos discutiram que pontos deveriam ser alterados e quais pontos permaneceriam iguais. Ao recontar a história, Giovana fez questão de destacar o quanto havia sido um bom e leal amigo e apagou os momentos vexatórios de sua história. Já da parte de Bruno, o principal foi omitir alguns fatos. E florear outros tantos.

Levou um mês mais ou menos até que o livro a quatro mãos fosse concluído. Giovana visitou diversas editoras até que encontrou uma que se interessou pela obra. “A verdadeira vida de Bruno Castro” teve grande tiragem e alto investimento em distribuição, mas não atraiu atenção semelhante a seu predecessor. O livro que levava a foto do biografado na capa acabou encalhando nas livrarias.

Atormentado pelo fracasso de seu plano, Bruno teve a ideia que finalmente levaria sucesso para a obra. Contratou um advogado que conseguiu uma liminar para proibir a venda dos livros. Com isso, a mídia voltou suas atenções para o caso. A liminar foi devidamente derrubada e lá estava “A verdadeira vida de Bruno Castro” figurando entre os livros mais vendidos em todos os principais rankings.

Lá estava Bruno novamente atacando de DJ e almoçando no Leblon, enquanto Ricardo foi chamado para divulgar seu trabalho em alguns programas de TV. Se encontravam secretamente nas madrugadas de terça-feira no bar da Lapa quando as portas já estavam fechadas. Brindavam ao sucesso da empreitada e a cada semana se perdoavam mais um pouco pelos erros do passado. Giovana já estava escrevendo um novo livro, um romance, que finalmente mostraria ao mundo seu estilo de literatura e Bruno festejava a abertura de sua empresa, uma fábrica de roupas e calçados, que finalmente o afastaria dos subempregos que sempre teve.

Em um desses encontros, os dois acertaram o último passo do plano de Bruno. Giovana pegou um exemplar e entregou pessoalmente para Camila. Quando ela abriu o livro, viu a dedicatória assinada pelo autor na folha de rosto. “Você já leu uma versão dos fatos, talvez seja a hora de ler uma nova versão”, diziam os garranchos de Ricardo.

Três dias se passaram. Camila não se deu ao trabalho de chegar ao final do livro. Para ela, bastou chegar a um episódio específico, a noite do primeiro beijo. Diferente do livro assinado por Sandro Pestana, “A verdadeira vida de Bruno Castro” dizia que o protagonista havia, sim, sido apaixonado por Suzana, mas que sua intenção naquele encontro era conquistar o coração de Camila. A ex-namorada de Bruno chegou a checar a informação com sua nemesis, que garantiu que Bruno não se insinuou para ela naquela noite.

Camila deixou o orgulho de lado e ligou para Bruno. Combinaram de jantar no dia seguinte e imediatamente reataram o namoro. Ela só impôs duas condições. A primeira era que ele deveria deixar de lado os processos (que ela não sabia serem falsos) contra o autor do livro. A outra, e mais importante, era Bruno garantir que os dois jamais iriam a um talk show falar sobre suas vidas privadas. Ele já estava cansado da fama, não houve motivo para recusar.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Biografia – Ao vivo (5 de 6)


As luzes do estúdio acenderam. Do canto, um produtor acenou indicando que faltava apenas um minuto para o programa entrar no ar. A maquiadora esfregava cosméticos na cara de Bruno. Preciso terminar logo, disse ela. O Torres não gosta de me ver aqui. Theo Torres, o apresentador, conferia no teleprompter seu monólogo inicial.

Já se passavam cinco semanas desde que Camila tinha terminado seu namoro com Bruno. Desde então, muita coisa mudou em sua vida. Começou com uma entrevista para o jornal Primeira Página. O repórter não estava muito interessado em saber o que era e o que não era verdade no livro. Estava mais preocupado em saber como ele se sentia tendo sua vida exposta. E Bruno mentiu. Em vez de contar o transtorno que havia sido o fim do relacionamento, preferiu dizer que ser famoso é um barato.

Dali em diante, sua fama só aumentou. Ele se tornou o que pode ser chamado de subcelebridade. Era constantemente procurado pela imprensa para dar palpite nos assuntos mais variados. Quem assina este terno que você está usando? O que você acha dos rumos da novela das oito? Na sua opinião, o governo está exagerando com a Lei Seca? Que conselho você dá para as mães adolescentes? E ele sempre se mostrou solícito.

Virou figurinha carimbada na noite carioca. Recebia cachê para passar duas horas em algumas festas que ele jamais iria se tivesse que pagar. Até príncipe de baile de debutante ele foi. Vivia dando autógrafos na rua, ouvindo conselhos de senhoras que reconheciam seu rosto, mas não sabiam exatamente quem era ele.

O ponto alto veio na última semana. Virou o queridinho de um site de entretenimento. Todo dia uma notícia. Bruno Castro caminha com amigo na Lagoa. Bruno Castro ataca de DJ. Sorridente, Bruno Castro acena para paparazzi no Leblon. Bruno Castro e ex-participante de reality show estão se conhecendo melhor. Tanta fama fez com que ele fosse chamado para o Meia Noite com Theo Torres, um dos late shows de maior audiência.

– Já imaginou chegar um dia em uma livraria e descobrir que as pessoas estão se estapeando para ler sobre a sua vida? Isso aconteceu com o nosso convidado de hoje. O Meia Noite recebe hoje o homem famoso por ser um homem comum, Bruno Castro – a plateia aplaude. Bruno cumprimenta Theo e senta no sofá. O apresentador toma um gole do chá que está em sua caneca – Bruno Castro, senhoras e senhores. Bruno, algumas pessoas na internet especulam que foi você quem financiou a produção deste livro. É verdade?

– Olha, Theo... Confesso que este livro trouxe consequências muito interessantes para a minha vida, mas de maneira alguma a imagem que é apresentada lá de alguma forma me beneficia.
– Quer dizer então que você se sente lesado pelo livro?
– Sim. Este livro mostra todas as vezes que eu menti para meus amigos, que eu enganei meus pais, meus irmãos. Para quem não me conhece, pode parecer muito legal a maneira como fui retratado, mas as pessoas próximas a mim se afastaram. Eu perdi minha namorada.
– Realmente, eu não ia querer que um livro contasse quantas vezes eu broxei – a plateia ri com a piada de Theo.

– Por sorte, o autor não se aprofundou muito nisso – algumas pessoas na plateia são tomadas por gargalhadas histéricas.
– Em relação ao autor, você pensa em processá-lo?
– De jeito nenhum. Eu conheci recentemente o Sandro Pestana. Ele é um velho à beira da morte, sozinho. Não ganharia nada processando ele. E provavelmente o velho morreria antes de me pagar alguma coisa.
– Você guarda mágoa por ele ter explorado a sua vida? Afinal, ele poderia ter investigado a vida de qualquer um.

– Acho que o autor deste livro teve seus motivos, não pretendo questioná-lo. Quando eu confrontei o Pestana ele me disse para aproveitar o que esse livro me trouxesse e eu estou seguindo este conselho.
A entrevista avança por três blocos. Theo Torres questiona os rumos da vida de Bruno, se ele pretende seguir carreira artística, se não teme cair no esquecimento. O bancário não se leva mais a sério. Já teve sua intimidade tão devassada que não vê mais sentido em guardar segredos.

– Só para concluirmos, Bruno, um site de fofoca divulgou esta semana que você estaria tendo um affair...
– Affair?
– É, eles gostam dessa palavra. Affair, boda, os fofoqueiros têm vocabulário próprio – a plateia volta a rir. – Bom, dizem que você tem um caso com a Leila, do reality show Praia Bela.
– É isso que andam dizendo?
– É sim.
– A Leila é muito bonita. Até comprei a revista em que ela posou nua. Mas ela é muita areia para o meu caminhão, vocês não acham? – ele pergunta para o auditório. O público se divide entre os que dizem sim e os que dizem não. – Theo, eu realmente encontrei com a Leila na semana passada, mas o mais perto que chegamos foi um papo ao pé do ouvido, devidamente fotografado e divulgado. E isso só ocorreu porque estava muito barulhento na boate onde estávamos.

– Conversa ao pé do ouvido? – Theo tinha tom de deboche na fala.
– Nada demais. Ela só estava me falando que estava lendo o livro e que sentia pena de mim. E isso foi muito interessante, porque ouvi todo tipo de reação. Teve quem dissesse me admirar, alguns afirmaram que me odiavam e a maioria se mostrou bem indiferente ao caso, mas ela foi a única que sentiu pena.
– E há alguma chance de vocês se aproximarem, se conhecerem melhor?
– A Leila é fenomenal, eu já disse, mas meu coração pertence a outra pessoa, que não me quer – o público deixa escapar uma interjeição, como se tivesse acabado de ver um filhotinho felpudo de gato.

– E quem é a dona do seu coração? – Bruno se prepara para fazer uma declaração de amor a Camila, mas vê que um dos produtores faz um gesto para Theo. Ele esfrega o dedo no pescoço, indicando que o tempo do programa está acabando. – Bruno, vamos combinar uma coisa. Gostei de você e tenho certeza que a plateia também – o auditório aplaude. – Se você conseguir conquistar essa garota, eu trago os dois aqui para conversarmos mais – sem que Bruno pudesse concordar ou discordar, o apresentador se levanta e encerra o programa.

No camarim, enquanto a maquiadora limpava seu rosto, ele pensava em Camila. Ela o tinha deixado por conta do livro, por conta das mudanças que a biografia trouxe para sua vida. Mas em momento algum ele pensou em se aproveitar desse novo status quo para reconquistar a namorada.

Passava de duas da manhã quando Bruno finalmente saiu do estúdio. Esticou o braço para um táxi e ordenou ao motorista que chegasse o mais rapidamente possível à Lapa.