sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Conto de fadas


Já passava de uma da madrugada quando Otávio colocou a última camisa em sua mala. Estava tudo lá, o que ele precisava. Gravatas, calças, paletós, alguns sapatos, cuecas e meias. Com a bagagem em punho, destrancou a porta e partiu. Ele já planejava uma mudança há algum tempo, mas não imaginava que seria assim.

Otávio namorava Leila desde tempos ancestrais. Se conheceram no curso de inglês na adolescência, mas só há alguns meses ele teve coragem de pedi-la em casamento. Joelho no chão, aliança no dedo, suspiros dos que observavam a cena. Ela aceitou. Começaram a pagar o buffet, a casa de festas, os docinhos e tudo mais o que tornaria a noite inesquecível.

Quando o convite da boda de Otávio e Leila chegou à casa de Amanda, com letras douradas e papel texturizado, a parceira de tênis da noiva morreu de ciúmes. Não porque os compromissos e obrigações de Leila aumentariam e com certeza minguaria seu tempo disponível para sacar e rebater as pequenas bolas de pelos amarelos, mas porque o melhor momento da partida era sempre o último minuto, quando Otávio chegava ao canto da quadra para avisar à amada que estava na hora de voltar para casa. Amanda sempre teve uma paixão secreta pelo engravatado, embora nunca tivesse coragem de se revelar.

Com a iminência da cerimônia, todas as barreiras morais e sociais que impediam Amanda de se declarar a Otávio caíram. Ela abusou da maquiagem, do perfume, embrulhou-se em seu melhor vestido e foi à casa de Otávio, já vendida para um casal de idosos. À porta, com sorriso trêmulo, ela disse o que sentia e, impaciente com o impávido Otávio, roubou-lhe um beijo.

Otávio já não sabia mais o que fazer. Ficar com a noiva e viver com o fantasma da amiga de Leila lhe assombrando ou entregar-se à aventura e sofrer por ter abandonado a mulher de sua vida. Impossibilitado de escolher e com as folhas do calendário caindo como o outono em direção ao dia do casamento, Otávio arrumou suas malas e fugiu.

Ironicamente, Leila foi chorar no ombro da parceira. Contou o quanto estava triste pelo abandono e o quanto amava o homem que despedaçou seu coração. A empatia de Amanda foi tão grande, que a própria pivô do fim da promessa de amor eterno passou a sentir asco de Otávio e não queria mais vê-lo nem pintado de ouro.

Com a mala no banco do carona e a capota do conversível abaixada, Otávio partiu deixando dois amores, emprego e seu labrador Luigi, que ficou aos cuidados da irmã solteirona e sem filhos. Dirigiu até a fronteira do município, depois do estado e mais os limites do país. Ainda passou por outro país e mais outro até encontrar uma pequena vila.

Em seu novo lar, mudou seu nome para Checho e abriu um bar muito mal frequentado. Quando o último centavo de suas economias acabou, arrependeu-se da fuga e caiu em depressão. Tentou duas vezes voltar para casa, para o braço de uma das mulheres que o amaram ou, pelo menos, para seu labrador Luigi, que ainda arranhava a porta, esperando o dia em que Otávio finalmente regressaria. Pediu carona por estradas empoeiradas, foi assaltado e acabou morrendo, embriagado por álcool de cozinha.

Leila e Amanda viveram felizes para sempre. Corre um boato de que as duas tentam adotar uma menina asiática, mas os relatos não condizem com a verdade. As duas se bastam e hoje são parceiras em muito mais do que nos jogos de tênis de quarta-feira à noite.