quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Negócio pendente – A sedutora e o negociante (3 de 4)


Greg Cash já teve um cliente que havia ido para o inferno por engano. Na verdade, ele deveria ter ido para o inferno, mas não tão cedo. Ao chegar lá, os burocratas (e são muitos burocratas no inferno) se deram conta de que, para que o sujeito pudesse desfrutar de uma eternidade de choro e ranger de dentes, antes disso teria que voltar para o mundo dos vivos a fim de resolver uma questão. Na época, Cash se comprometeu a demorar bastante para resolver o caso do cliente, mas o desencarnado pediu pressa. Por mais que estivesse destinado ao inferno, queria encontrar com sua mulher, que já estava lá. Coisas do coração, vai entender. Mas esse cliente disse uma vez uma frase que nunca saiu da lembrança do detetive. “O inferno é pior do que o pior lugar que existe na terra e o pior lugar que existe na terra é o próprio inferno.” Cash conhecia o tal lugar. Quando resolveu o caso, ele fez questão de acompanhar o cliente até a “embaixada” do inferno em Cougar Creek. O lugar se chamava Lovely Sucubus.

Lovely Sucubus era um restaurante muito sofisticado. Destes que por mais que você tente jamais conseguirá uma reserva e será posto para fora caso tente conseguir uma mesa na hora, sendo consumido pela ira. A fachada era toda envidraçada, fazendo com que todos na rua tivessem inveja de quem estava lá dentro. A simples presença de um estabelecimento tão exuberante acentuava o desleixo e a preguiça de todos os restaurantes ao redor. O cheirinho da comida despertava a gula de qualquer um e quem não conseguia um acento logo se tornava avarento, justificando que o restaurante não veria a cor de seu dinheiro. Já quem estava apto a entrar no local era tomado pela soberba. O toque especial era a responsável pelo lugar, uma mulher chamada Nahemah, que era pura luxúria. Um prato cheio para o pecado.

Nahemah, conhecida como “a sedutora”, tinha os olhos azuis mais azuis do mundo. Com cabelos levemente desalinhados e rosto bem desenhado, ela era cobiçada por homens e mulheres. Ao longo de seus milhares de anos ela seduziu muitos amantes, cada um com o destino pior que os demais. Apenas uma característica deixava claro que aquela mulher era um demônio: ela soltava fumaça pela boca e pelo nariz, ainda que nunca estivesse fumando.

Quando Cash entrou no Lovely Sucubus, um funcionário logo se aproximou para avisar que a entrada nele não era permitida. “Curiosamente, eu descobri isso mais cedo”, o detetive piscou para o homem e entrou mesmo sem autorização. Nahemah estava sentada em uma mesa próxima do grande vidro, com dois homens literalmente babando ao seu redor. Cash estalou os dedos, atraindo o olhar da mulher. “Peça para que eles saiam. Eles não vão querer ouvir nossa conversa.”

Sem que fosse necessário dizer uma palavra mais, os dois homens se afastaram da mesa. “Ousado”, disse Nahemah, “posso gostar de você”. Cash balançou a cabeça negativamente. “Isso significa que você não me conhece”, debochou o detetive. Ele puxou uma cadeira e sentou ao lado dela. “Já você certamente me conhece”, Nahemah lamentou, “e eu detesto isso”.

Cash explicou o motivo de sua visita à filial do inferno. Ao ouvir o nome de Zeke Anderson, a mulher não demonstrou sinais de que o conhecia. “Olhe ao seu redor, detetive de fantasmas, veja se seu homem está por aqui. Eu duvido que vá encontra-lo entre os meus”, Nahemah então levantou-se e foi para outro lugar do restaurante.

Não tendo muitas esperanças de que aquela visita pudesse ajuda-lo, mas tentando descartar qualquer chance de voltar ao Lovely Sucubus, Greg Cash foi de garçom em garçom perguntando por Zeke. Todos fugiam dele sem dizer nada. Quando finalmente encontrou um funcionário que parecia ter reconhecido o nome do desencarnado, a demônio surgiu de repente. “Como lhe foi avisado quando entrou, você não tem permissão para estar aqui”, Nahemah estava soltando mais fumaça do que antes. “Quando seu motivo for pessoal, quando for sobre você, volte. Só então terei prazer em recebê-lo.”

Do lado de fora, um homem de pele esverdeada, corpo delgado e orelhas acentuadamente pontudas aguardava em frente a um carro preto. “O patrão está quer conversar com você, detetive”, o duende disse, enquanto abria a porta do carro. Patrão? Cash temia que o próprio Lúcifer estivesse ali, mas ao entrar no veículo viu um homem muito gordo, vestido como um mendigo. O cheiro azedo era muito forte.

O homem fez questão de se apresentar. “Não são muitos os que me conhecem”, o gordo cumprimentou Cash com seu chapéu. “Meu nome é Mammon, o rico. E minha aparência pode parecer pouco promissora, mas eu sou muito mais rico que qualquer demônio que você já conheceu. Eu não sou como minha correligionária Nahemah, que precisa se passar por uma mulher de boa aparência, pois eu não caço almas como ela. Eu negocio. E é por isto que você está aqui.”

O detetive mostrou não entender o que Mammon falava. O demônio se explicou melhor. “Você quer uma coisa. Eu também quero uma coisa. E se a sua coisa levasse à minha coisa?”, o gordo girava uma moeda entre os dedos. “Minha proposta é simples. Eu te dou uma informação em troca de uma pequena gota do seu sangue, o que acha? Então quando você tiver essa informação, a gente negocia.”

Gregory Cash nunca foi um detetive brilhante. Aquele era o primeiro caso de verdade que ele tinha. Mas ao longo de sua breve carreira ele adquiriu muitos conhecimentos. E um deles era justamente sobre negociar com demônios. Foi assim que o cliente dele que foi para o inferno e voltou acabou sentenciado ao tormento eterno. Nesse tipo de negociação, uma gota de sangue era igual a uma alma. Sabendo que as portas do céu e do inferno estavam fechadas para ele, Cash não viu problemas em dar o que o demônio queria. Com um canivete que sempre carregava no bolso, o detetive furou a ponta do dedo.

Ao ver o sangue surgir, Mammon soriu alegremente. “Isso basta”, o gordo estava agitado dento do carro. “Você cumpriu a sua parte e agora é a minha vez. Direi a informação que pode te ajudar e tenha certeza que ela vai te ajudar. Ezekiel Anderson é um nome da minha lista. Ele vai para o inferno.” O demônio soltou uma gargalhada e abriu a porta do carro para que Cash saísse. Com o detetive já do lado de fora, Mammon prosseguiu. “Agora eu tenho a sua alma e se você quiser a sua alma de volta vai ter que me trazer o espírito do senhor Anderson. Ele não é mais problema meu, ele agora é problema seu.” O demônio fez sinal para que o duende dirigisse e o carro preto sumiu no final da rua.

Ainda em frente ao Lovely Sucubus, Cash sentou no meio-fio. Enquanto observava o dedo furado com um pingo de sangue coagulado, ele pensava no caso. “Então Zeke vai para o inferno. Um homem admirado pela esposa e pelos amigos que devotou sua vida ao trabalho voluntário e à igreja. Se ele terá o destino mais terrível de todos, provavelmente há algo oculto sobre a vida dele. Se Zeke vai para o inferno, antes ele terá que resolver um negócio pendente.”

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