O nome na porta era Gregory Cash. E Gregory Cash era acostumado com coisas fora do comum. Seus clientes eram fora do comum. Os casos que recebia eram fora do comum. Mas naquela terça-feira o incomum ganhou uma nova dimensão.
Cash nasceu e cresceu na cidade de Cougar Creek, que tinha o
orgulho de ser chamada de “A Nova York do Maine”, se é que isso era um elogio.
Tinha dois arranha-céus que marcavam sua paisagem, torres gêmeas, que
justificaram a alcunha até 2001. Em nada mais Cougar Creek lembrava Nova York.
Era uma cidade escura, triste, calma e que não tinha nenhuma loja aberta depois
das nove horas da noite. Mesmo assim, o detetive particular só abria seu
escritório durante as madrugadas. Era o horário preferido de seus clientes.
Sendo bem objetivo, Greg Cash via fantasmas. Literalmente.
Ou desencarnados, como eles preferiam ser chamados. E fora assim desde criança.
Aos cinco anos, Cash aproveitou que os pais cochilavam na sala para mergulhar
na piscina. Pulou de cabeça na parte mais rasa e desmaiou. Morreu por alguns
segundos, até que um vizinho o viu e conseguiu reanimá-lo. Quando abriu os
olhos novamente, descobriu que Cougar Creek era muito mais povoada do que seus
habitantes imaginavam.
Seu primeiro caso foi aos dezesseis anos. Chegou à casa da
namorada e foi recebido pela avó da jovem na porta. A velha dizia que ele
deveria entrar e ir até o freezer para pegar um picolé. Estava um pouco frio
demais para um picolé, mas Cash fez questão de comentar o ocorrido com a
namorada. Ela disse que aquilo tudo era ridículo, que ela não tinha avó. Mesmo
assim, quando a namorada deu uma brecha, o garoto foi até o freezer. Havia um
corpo esquartejado lá. O corpo da avó. Greg correu para fora e chamou a
polícia. O pai da namorada foi preso pela morte da sogra. Ele nunca mais viu a
menina.
A história da velha se espalhou entre os desencarnados. Não
demorou para que outros aparecessem na casa de Cash para pedir auxílio. O rapaz
se dedicou tanto aos casos que abandonou a escola. Seus pais o colocaram na rua
para que aprendesse uma lição. Sem dinheiro, Greg transformou sua “missão” em
emprego.
Os desencarnados não sentem fome, não sentem sede, não
sentem prazer. Mas também não conseguem descansar. Geralmente, quando uma
pessoa morre ela vai para o céu ou para o inferno. Mas em alguns casos, a
pessoa fica na terra. Vira um fantasma. Neste caso, há algo que os prendem
neste plano e para que elas possam ir para o repouso eterno (ou tormento, eles
nunca sabem), elas precisam resolver seu negócio pendente.
A estratégia era simples. Os desencarnados procuravam Greg e
contavam seu negócio pendente (a maioria dos casos envolviam assassinatos e o
morto só poderia descansar se o seu algoz fosse levado à justiça pelo caso). O
detetive fazia uma investigação, procurando provas de que tal sujeito era
culpado. Em seguida, Cash procurava a polícia, dizia o que tinha descoberto e
ganhava um dinheiro. Acabou virando consultou da polícia em pouco tempo.
O fluxo de trabalho era bem incerto. Dependia da quantidade
de assassinatos na cidade. E por mais que Cougar Creek tivesse um grande volume
de loucos que escondiam corpos em seus quintais, alguns meses acabavam ficando
complicados. Nesses períodos, Greg investia em resolver problemas de heranças
mal resolvidas. Ele não ganhava pela consultoria, mas os desencarnados sempre
arrumavam um jeito de dizer para ele a senha do cofre da família, a fim de
garantir alguns trocados para as contas do mês.
Mas aquela terça-feira específica trouxe um novo desafio
para a carreira do detetive. Passava um pouco de uma hora da madrugada quando
dois desencarnados atravessaram (literalmente) a porta do escritório de Cash.
Matt e Jane. O detetive reconhecia seus rostos dos jornais do mês anterior.
Morreram em um acidente de carro. Um amigo deles dirigia quando o carro
simplesmente explodiu em uma pequena estrada.
De primeira, Cash pensou que eles estavam ali procurando o
culpado pela explosão, mas Matt tratou de desfazer essa ideia. “Foi realmente
um acidente. Passamos o último mês investigando e não conseguimos encontrar
qualquer indício de que alguém tem culpa pela nossa morte. Estamos tranquilos
com isso”, disse ele, um sujeito bem moreno, com os cabelos crespos.
Cash questionou então o que eles ainda faziam no plano
terrestre. “Depois que eu morri, meu chefe me acusou de chefiar um esquema de
desvio de dinheiro na empresa”, comentou Jane, com uma voz pesarosa. “Preciso
limpar meu nome para poder descansar. Meus pais e irmãos não podem ficar
achando que eu era uma vigarista. Já o Matt precisa achar um filho que ele teve
fora do casamento e leva-lo até sua esposa. Temos nossos próprios negócios
pendentes.”
Realmente tinham, e Cash se propôs a ajudá-los nesses casos,
mas a ajuda que eles buscavam era outra. “Nosso amigo, o que estava dirigindo o
carro em que estávamos, desapareceu. O nome dele é Zeke”, Jane contou. “Até
dois dias atrás nós éramos inseparáveis, mas não tivemos notícias dele desde
então.”
“E qual era o negócio pendente dele?”, quis saber Greg Cash.
Matt respondeu sem hesitar. “O problema é esse. Não sabemos. Zeke sempre foi
muito reservado e nunca nos contou o que ainda o prendia na terra.”
O caso era interessante e o detetive não resistiu. Ezekiel
Anderson, trinta e sete anos, morto há cerca de um mês, desaparecido há dois
dias. Um desencarnado. “Como achar um fantasma desaparecido?”, Cash
perguntou-se.
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