segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Os Azuis – Massacre (3 de 5)


Seis meses atrás.

Havia mais de mil soldados no esquadrão, espalhados por todo o país, mas nenhum deles era tão admirado quando Udo Xavier e Julia Flores. O próprio presidente Tomás Souza os convidava anualmente para um jantar, representando toda a corporação. A competência, porém, trazia seus riscos. Além de estarem mais expostos às ações do Exército Azul, os dois soldados costumavam trabalhar em missões onde o contingente necessário era muito maior do que uma dupla. Mas eles sempre davam conta.

O Hospital da Misericórdia já fora o maior de todo o país. Com capacidade para atender a milhares de pessoas por dia, ele já estava desativado há dois anos. Havia uma suspeita do governo de que todo o local estava contaminado por uma doença transmitida pelos eebs. Agora, abandonado, o hospital era apenas um esqueleto do que já havia sido.

Não havia letra azul na entrada ou qualquer sinal semelhante que indicasse a presença de alienígenas, mas era público que alguns eebs viviam no lugar. Com medo de uma possível contaminação, os humanos preferiam deixar para lá. Xavier e Flores não tinham medo de morrer, apenas o de não conseguir concluir a missão.

Com o pé, Xavier abriu a porta. Os dois avançaram pelo corredor principal sem produzir som algum. Sabiam que em pouco tempo os tiros alertariam a todos da presença dos soldados, mas preferiam pegar os primeiros alienígenas de surpresa. Julia entrava de sala em sala, procurando suas vítimas, enquanto Udo dava cobertura do corredor. Sete salas e nem sinal de alguém escondido. Na oitava, Julia fez um sinal para o parceiro. Na maior parte do tempo eles não precisavam falar para se fazerem entender.

Flores entrou na sala com seu fuzil na mão. Com cautela, foi até um balcão. E atirou. Foram diversos disparos contra a madeira. Alguns tiros quebraram as janelas, espalhando cacos de vidro pelo chão. Após a investida, ela foi checar atrás do balcão. Encontrou quatro eebs mortos.

No corredor, Udo foi surpreendido por dois azuis que fugiram correndo. Ele os perseguiu, até exterminá-los perto dos elevadores. Com uma faca, ele espetava os corpos, para ter certeza que não estavam se fingindo de mortos. De sala em sala, naquele andar, os soldados Xavier e Flores eliminaram diversos alvos. Ao todo, foram vinte e sete eebs. Magros e sujos, eles não eram grandes adversários. Poderiam ser mortos sem qualquer uma das armas se fosse necessário.

Quando subiram para o segundo andar, os soldados estavam muito tranquilos, mas encontraram um objeto que fez com que redobrassem a atenção. Havia uma bandeira do Exército Azul. Aquilo significava que os alienígenas naquele prédio eram ligados aos terroristas que lutavam para derrubar o governo. Enquanto Flores recarregava as armas, Xavier arremessou granadas de gás, para dificultar a ação dos rebeldes.
A fumaça subiu, obrigando alienígenas e alguns humanos a fugirem de suas posições. Do hall principal, em suas máscaras, Udo e Julia atiravam em qualquer coisa que se mexia. Mais treze corpos em poucos minutos. Avançaram, então para o terceiro e último andar.

No pavimento superior do hospital, o cenário era muito diferente. Todos os móveis – camas, escrivaninhas, poltronas, gabinetes, bancos, armários e sofás – compunham um macabro labirinto putrefato. Era muito difícil enxergar e as máscaras complicavam a respiração dos soldados. Os dois adotaram a formação padrão, com Flores na frente abrindo caminho e Xavier atrás dando cobertura. Atravessaram o labirinto por mais de meia hora, sem achar qualquer sinal de vida.

Flores sentiu um forte calor e seu corpo foi jogado contra uma parede. Uma explosão havia ocorrido numa sala próxima. Certamente, uma tentativa de matar os soldados. Com o impacto, Julia perdeu a máscara e o capacete, fazendo-a sentir-se um pouco tonta. Quando finalmente pôs-se de pé, a soldado não encontrou seu parceiro. Foi então que o ouviu gritar. “Flores, fora daí!” Ao olhar pela janela, viu que a explosão jogara Udo para o lado de fora do hospital. O homem estava caído no gramado, talvez com uma perna quebrada. Ela não podia ir embora. Precisaria concluir a missão sozinha.

Na sala onde ocorreu a explosão, Flores encontrou um corpo carbonizado. Pela estrutura do rosto, era um humano. Sacrificou a própria vida para tentar proteger os alienígenas que se escondiam, o pobre diabo. Do outro lado da sala, havia uma porta que dava para um velho armário. Dentro dele, algumas armas brancas. Para evitar que o arsenal fosse usado contra ela, Julia lançou uma granada contra o armário. Uma nova explosão.

Fuzil na mão, Julia Flores lutava para vencer o labirinto do terceiro andar. Matou cinco eebs e dois humanos que tentaram impedir sua ação. Aquele era um dia para se comemorar, pensava ela.

Quando, enfim, deu a volta completa no labirinto de móveis, a soldado Flores acreditou que seu trabalho estava terminado. Foi surpreendida, contudo, por um grito de mulher no segundo andar, ainda tomado em parte pela fumaça. Volta e meia, um novo grito era ouvido, tornando mais fácil a localização da origem do som. Em um quarto, que estava selado por uma estante caída, uma mulher gritava.

A tiros, Flores derrubou a porta. Dentro, um eeb macho segurava uma eeb fêmea. Ela gritava, tentando desvencilhar-se. Mesmo com a soldado na quarto, o alienígena insistia em tentar calar a fêmea azul. Com dois tiros, Julia resolveu a situação. Um na testa dele, outro no ventre dela. A eeb agonizava no chão e apontava para uma escrivaninha. Seus olhos imploravam algo para Flores e seus lábios deixaram escapar uma palavra no último suspiro: Nek.

Com os dois mortos, a solado Flores foi conferir o que havia na escrivaninha. Alguns papéis, um telefone quebrado, nada de útil. Mas sob o móvel havia uma preciosidade. Um bebê. Um bebê azul que não tinha mais do que alguns dias. E, até onde Julia sabia, o primeiro bebê eeb nascido no país em muito tempo.

Ela deixou o bebê sobre a escrivaninha e puxou uma pistola. Tentou atirar, mas a arma não respondeu. Estava descarregada. Flores, então, tirou uma faca da bota esquerda. Uma pequena faca muito afiada que poderia fatias o pequeno alienígena com enorme facilidade. Julia posicionou a faca no pescoço azul da criança e estava pronta para cortá-lo quando olhou os olhos do bebê. Olhos azuis escuros que brilhavam. Olhos inocentes. Olhos de um bebê que nunca tinha feito mal a ninguém. De um bebê cuja mãe morrera tentando alertar o inimigo da presença do pequeno. Aquele bebê não deveria morrer daquela forma. Nem naquele local. Merecia uma chance.

Julia deixou a criança embaixo da escrivaninha, tendo certeza de que estava bem coberta. Arrastou para fora os corpos dos outros eebs que estavam no quarto. Com a estante que antes selava a porta dificultou a entrada de qualquer pessoa no local. E foi embora.

Flores levou seu parceiro para um hospital do governo e foi para a sede do esquadrão. Preparou todos os relatórios da operação e esperou que a equipe de limpeza retirasse todos os corpos de alienígenas e humanos que haviam sido mortos por ela e Xavier mais cedo. E então voltou para o Hospital da Misericórdia. Já era noite e não era possível enxergar nada no lugar, mas Julia sabia bem para onde ir. No segundo andar, apanhou o bebê, levou escondido para seu carro e, sem que seus vizinhos vissem, o protegeu em casa. Deu a ele o nome de Nek, como a eeb fêmea havia dito. Começou criando-o como um refém, mas acabou virando um filho. Em seis meses, a criança já se parecia com um humano de dois anos. E tratava Julia com todo o carinho do mundo.


Hoje.

O soldado Udo Xavier nunca foi conhecido pelo seu temperamento amigável. Teve diversos parceiros até finalmente ser posto para trabalhar com Flores, a única pessoa que parecia mais violenta que ele. Sua aura era tão pesada que até quem não o conhecesse, ao vê-lo, tremia de medo.

Apesar de ser impiedoso ao matar azuis e prender os humanos envolvidos, Xavier tinha um curioso modus operandi. Sempre deixava um dos humanos livre. E fazia visitas constantes, regadas a bons golpes e ameaças. Em pouco tempo, essas pessoas passavam a coletar informações nas ruas que pudessem ajudar o soldado. Viravam informantes.

Naquela noite, um dos informantes havia ligado para o número particular de Xavier. Disse que era urgente. “É sobre sua amiga Flores”, disse o informante. “A informação é garantida, já chequei com alguns companheiros. O Exército Azul vai atrás dela. Querem fazer ela de exemplo para todos os soldados. Ela, mais do que qualquer outro de vocês, tem muito sangue azul nas mãos. A cabeça dela será enviada para o próprio presidente e este será apenas o começo de uma rebelião. Os azuis cansaram de sentir medo.”

Xavier agradeceu a informação. E matou o portador das más notícias.

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