“Comissário Fisk, precisamos de ajuda!”, gritava o sargento Milton
Schulz. O dia estava particularmente quente. Escondidos atrás de uma pilha de
contêineres, Schulz e seu parceiro, o detetive Alex Drake, esperavam reforços
para chegar à beira do cais e dar um fim àquela loucura.
Quando os dois chegaram à delegacia central de Blue Lake
City acharam que seria um dia normal. E em dias normais em Blue Lake City os
policiais basicamente aplicavam multas e preenchiam papeladas. Eram raros os momentos
tensos como aquele.
Ninguém sabia o nome verdadeiro da mulher, mas os tabloides a
chamavam de Agridoce. Era uma ladra e assassina. Já havia sido presa algumas
vezes, mas sempre dava um jeito de escapar. Naquela manhã, ela invadiu o porto de
Blue Lake City em busca de um contêiner específico, que ainda estava
procurando. Ela já havia matado alguns estivadores que cruzaram seu caminho e
dois seguranças do porto. Schulz e Drake estavam por perto e ouviram os tiros.
“Abandonem o lugar”, gritava o comissário Jeremiah Fisk pelo
rádio. “Ninguém entra no porto até que o Major chegue!” Aquelas ordens
incomodavam os dois policiais. Eles não gostavam de ter que esperar alguém para
agir. Eram policiais à moda antiga e preferiam pôr a mão na massa em vez de
esperar que outra pessoa fizesse o trabalho por eles.
Schulz e Drake eram amigos há muitos anos. Cursaram a
academia juntos e Alex era padrinho do filho de Milton. Provavelmente se Drake
não tivesse um temperamento tão explosivo já fosse sargento como seu parceiro.
“Comissário, ela já matou algumas pessoas e há mais
estivadores no porto. Se continuar assim, outras pessoas vão morrer”, o
sargento tentava argumentar. “Não podemos ficar parados enquanto mais inocentes
são feridos.”
O sargento Schulz segurou com firmeza seu revolver e fez
sinal para que Drake o seguisse. No rádio, o comissário de polícia gritava. “Fiquem
onde estão! Não ousem ir atrás da mulher! Esperem pelo Major!”
Os dois avançavam aos poucos pelo porto. “Você viu aqueles
namorados que apareceram mortos e amarrados?”, Milton gostava de jogar conversa
fora nos momentos de tensão. “Gostaria de investigar esse caso quando sairmos
daqui”, ele fazia planos, como se isso pudesse evitar o pior dos destinos.
Agridoce tentava abrir um contêiner. Ela tinha três
capangas, que também procuravam alguma coisa. Schulz observava com cautela,
tentando traçar a melhor estratégia para deter a mulher. “Alex, acho melhor nos
dividirmos”, disse Milton, mas ao se virar, viu que o detetive já estava longe.
Drake corria sobre alguns contêineres na direção de Agridoce.
Era hora de agir, Milton sabia. Com seu revólver de seis
tiros ele conseguiu abater facilmente os capangar da bandida, acertando seus
joelhos ou ombros. Os tiros atraíram a atenção de Agridoce, mas não o
suficiente para que Alex a prendesse. Foi então que tudo começou.
Do alto do contêiner, Drake sentiu uma brisa agradável. O
sol brilhava belo no céu e suas roupas pareciam mais confortáveis do que de
costume. O detetive já não lembrava mais o que fazia ali, quem estava
perseguindo. Parou sobre o contêiner e ficou admirando a vista do mar. Então,
de repente, ele olhou para baixo. Eram poucos metros até o chão, mas parecia
que ele estava na beirada de uma ponte. Seu corpo era atraído pela gravidade e
estava complicado se equilibrar, permanecer de pé. Alex suava frio e tremia.
Tinha um pouco de medo de altura, mas era na verdade a única coisa que temia.
Agridoce tinha esse efeito sobre as pessoas. De alguma forma
ela conseguia manipular os cérebros de suas vítimas. Era como se ela entrasse
no hipocampo e fizessem com que os dados sensoriais fossem interpretados da
maneira que ela quisesse. Primeiro, ela dava uma sensação agradável, fazendo
com que seu alvo ficasse desestabilizado. Depois, transformava aquela sensação
na pior possível, levando à tona o pior medo do indivíduo. Por isso era chamada
de Agridoce.
Ao ver que seu parceiro estava em apuros, Schulz partiu para
atacar a mulher. Deu alguns tiros, mas ainda estava um pouco distante e não
conseguiu acertar. Ele via Alex em cima do contêiner tentando se afastar de uma
beirada e então se aproximando perigosamente de outra, em uma coreografia que
se repetia.
De passo em passo, o sargento chegava mais perto do campo de
influência da criminosa. Primeiro viu que havia um cãozinho no cais, mas
continuava focado em sua missão. Depois notou uns gatinhos e se lembrou do gato
de seu filho, um pequeno persa branco, muito peludo e dócil. Ele abaixou para
brincar com um dos animais. Milton era um homem feliz, mas estava muito
sorridente naquele momento.
Com os dois homens dominados, Agridoce continuou sua busca.
Em um dos contêineres, achou uma máquina. Parecia uma grande arma. Tentou ligar
o equipamento, mas não havia fonte de energia. Isso a enfureceu profundamente.
Alex sentiu essa fúria. Tinha a impressão de que estava cada vez mais alto e
que a superfície diminuía sob seus pés. O medo fazia com que ele rangesse os
dentes.
Schulz estava agachado, brincando com o gato. O bichano se
deixava acariciar e ronronava. Mas a fúria de Agridoce fez com que o cenário
mudasse. O gato arranhou a mão do sargento. Primeiro sangrou um pouco, mas em
seguida uma aranha saiu do corte. Milton conseguiu jogá-la no chão e matá-la.
Tinha pavor de aranhar. Então ele sentiu algumas patas se mexendo em sua mão.
Outra aranha saiu do corte. E mais uma. E outra. Eram dezenas de aracnídeos
correndo pelo corpo de policial, que tentava se livrar dos animais enquanto
eles só aumentavam de número e de tamanho.
“Me perdoe, Judith”, disse Milton, como se sua esposa
pudesse ouvi-lo. Então apontou o revólver para a própria cabeça e atirou.
Do alto do contêiner, Alex viu o amigo se matar, para fugir
da agonia. E viu uma rajada de fogo surgir do céu e acertar Agridoce no peito.
Seu medo sumiu em um segundo e ele se deu conta do que havia acontecido. Milton
estava morto e por pouco ele próprio não havia morrido.
No céu claro daquela manhã, descendo como um anjo sem asas, Drake viu seu
salvador se aproximar. Com seu uniforme verde, capa vermelha e máscara, o
protetor de Blue Lake City havia novamente detido a ameaça. Os estivadores que
estavam se escondendo voltaram a aparecer. Todos aplaudiam e gritavam o nome do
herói. Gritavam o nome do Major Triunfo.
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