quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Os Azuis – O líder (2 de 5)



As pessoas se aglomeravam ao redor dele, tentando alcançar suas mãos na esperança de serem agraciadas com uma saudação. A mística que se formara em torno de Tomás Souza era muito forte. Dotado de extrema beleza e simpatia ainda maior, o presidente eleito era um grande orador e estava cativando todo o país.

A trajetória de Tomás até o executivo federal fora marcada por dois momentos singulares. Depois de ser o mais jovem senador da história, o homem de pele morena e olhos grandes se tornou a grande aposta de seu partido, que há anos estava relegado à oposição. Durante os quatro anos que precederam a eleição presidencial ele foi preparado para se tornar o político mais querido do país.

Tão logo a campanha eleitoral começou oficialmente, seus adversários políticos surgiram com um fato que poderia manchar seu nome para sempre: Tomás Souza era filho de Marcos, o homem que dezesseis anos antes matou um eeb, iniciando um período sangrento da história. Com o fato revelado, Tomás despencou nas pesquisas e muitos analistas já o apontavam sem chance na disputa.

A verdade era que a relação entre humanos e eebs nunca fora cordial. Depois de uma primeira etapa, em que os alienígenas compartilharam seus conhecimentos e tecnologias, os terráqueos começaram a enxergar nos azuis a culpa para todos os males. No primeiro ano de convivência, foram muitos os atritos verbais até que Marcos Souza matou Jaz, um jovem eeb que namorava sua filha.

O caso dividiu a população. Muitos acreditavam que os eebs não deveriam ser molestados, já que possuíam natureza altamente pacífica. Mas outra parte dos humanos resolveu agir com as próprias forças. Alienígenas foram chacinados em diversos pontos do país. Aqueles que tinham melhores condições financeiras fugiram para a Europa e para a América do Norte, mas a grande maioria dos eebs trabalhava em cargos que pagavam pouco mais do que eles dependiam para sobreviver.

Para evitar que a violência fugisse ao controle, o governo da época criou um esquadrão para reprimir qualquer ataque a alienígenas. Chamados apenas de “soldados”, independente de sua patente, e vestidos em uniformes negros, estes militares utilizaram de grandes doses de crueldade para que os eebs fossem deixados em paz. Em poucos anos, os casos caíram a praticamente zero, mas ainda havia um ódio guardado no coração de muitos contra os azuis.

Tomás usou este ódio a seu favor. Em vez de negar os atos de seu pai, ele transformou a luta contra os eebs em sua bandeira. Seu plano de governo falava em aumentar impostos para os alienígenas e em criar barreiras para dificultar que eles conseguissem empregos ou financiamentos. No longo prazo, qualquer pessoa com a pele azul deixaria de ser cidadã.

O discurso surtiu efeito e Tomás voltou a subir nas pesquisas. Os adversários chamavam atenção para a falta de respeito com os direitos humanos, ainda que os eebs não fossem humanos. A falta de carisma dos demais candidatos serviu apenas para que Souza crescesse.

Tomás Souza conseguiu ir para o segundo turno, com cerca de trinta por cento dos votos. Enfrentaria Diego Romão, que tinha apoio do então presidente e dos principais líderes internacionais. Foi então que aconteceu o segundo episódio que marcou a trajetória política do candidato.

Na véspera da votação, Tomás se reuniu com patrocinadores de sua campanha. Todos gritavam o slogan do candidato: “Um país menos azul”. Souza fazia questão de relembrar o ato de seu pai e era muito aplaudido. Mas, de um momento para o outro, no meio de uma frase, ele se calou e caiu. Fora atingido por uma bala, direto no abdome. Levado às pressas para um hospital, precisou ser operado. Ficou entre a vida e a morte naquela noite.

O atirador, um homem de vinte anos que discordava dos ideais de Tomás, foi morto pelos seguranças do partido. O candidato a vice-presidente na chapa de Souza, contudo, enxergou uma oportunidade. Sequestraram e mataram um eeb que morava próximo ao local da reunião e colocaram nele a culpa pelo atentado.

Com Tomás em estado grave e um alienígena acusado de tentar matá-lo, a opinião pública mudou. Dos trinta por cento do primeiro turno, Souza saltou para mais de setenta por cento, um índice impressionante para qualquer candidato. As pessoas saíam às ruas e queimavam bandeiras e camisas azuis, em sinal de apoio à candidatura.

Já eleito, após uma internação de três semanas, Tomás foi comemorar nos braços do povo. Tomou posse em dois meses e iniciou seu governo, que foi marcado por acusações da oposição de ser corrupto e negligente com questões sociais. Para se fortalecer, o presidente dissolveu o congresso, aprovou uma nova constituição e determinou que era crime ser ou proteger alienígenas.

Os soldados, que antes protegiam os eebs, passaram a caçá-los. Todos eram mortos e seus cúmplices humanos eram levados para uma penitenciária de segurança máxima apelidada de Fazenda. Lá, longe dos olhos do povo, os acusados eram julgados sem direito a defesa e obrigados a realizar trabalhos forçados.
O modelo da Fazenda se tornou lucrativo. Sem a mão de obra barata dos eebs, cabia aos prisioneiros desempenhar as funções mais baixas de hierarquia de trabalho. Logo o governo abriu novas Fazendas espalhadas por todo o país.

Os quinhentos mil eebs que chegaram à Terra em pouco tempo se transformaram em seis milhões. Em todo o país, eles eram cerca de dois milhões quando Tomás foi eleito, mas estima-se que logo nos princípios de seu governo ele conseguiu matar quase um milhão de azuis. Os demais ficaram escondidos, sendo alimentados e protegidos por famílias que arriscavam as próprias vidas diariamente.

Os opositores também foram presos como traidores e os poucos que escaparam dos soldados formaram uma aliança rebelde chamada de Exército Azul. Este grupo era responsável por diversos atos terroristas, como o assassinato de agentes do governo e militares e a destruição de uma das Fazendas. Os soldados tentavam identificar as lideranças e as bases do Exército, mas pouco descobriram em quatro anos de governo.

Tomás Souza era um homem belo e carismático. Como leal soldado do governo, Julia Flores mantinha em sua casa uma foto do presidente. E nos últimos meses ela sentia como se Tomás a observasse, julgando-a pela grande mudança em sua conduta. Para evitar os olhares do presidente, a soldado Flores havia trocado a foto de lugar, colocando em um quarto que ela jamais frequentava.

Devido aos seus muitos anos de treinamento, Julia mantinha sempre uma arma ao lado da cama. Tinha sono leve e acordava a cada duas horas para checar se estava tudo bem. No meio da madrugada, acordou e foi olhar pela janela. Não havia nada. Nos últimos dias, ela se sentia duplamente ameaçada. Era um alvo potencial para o Exército Azul e poderia ser denunciada pelos vizinhos por esconder um eeb. Para garantir que Nek estava em segurança, ela foi ao quarto da criança.

O pequenino azul dormia calmamente, mas acordou assustado pouco depois de ela chegar ao quarto. Um barulho do lado de fora. Uma freada brusca, som de aerossol e em seguida um carro acelerando. Flores correu para a porta, com a pistola na mão, e viu o carro dobrando a esquina, em alta velocidade.

O barulho também assustou os vizinhos, que acordavam e acendiam suas luzes. Julia Flores achou melhor voltar para dentro de casa, antes que alguém aparecesse fazendo perguntas. Mas ao virar-se para sua porta, a soldado viu seu pior pesadelo. Um que nas últimas noites insistia em assombrá-la. Uma enorme letra azul marcava a fachada de sua outrora segura moradia.

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