As pessoas se aglomeravam ao redor dele, tentando alcançar
suas mãos na esperança de serem agraciadas com uma saudação. A mística que se
formara em torno de Tomás Souza era muito forte. Dotado de extrema beleza e
simpatia ainda maior, o presidente eleito era um grande orador e estava
cativando todo o país.
A trajetória de Tomás até o executivo federal fora marcada
por dois momentos singulares. Depois de ser o mais jovem senador da história, o
homem de pele morena e olhos grandes se tornou a grande aposta de seu partido,
que há anos estava relegado à oposição. Durante os quatro anos que precederam a
eleição presidencial ele foi preparado para se tornar o político mais querido
do país.
Tão logo a campanha eleitoral começou oficialmente, seus
adversários políticos surgiram com um fato que poderia manchar seu nome para
sempre: Tomás Souza era filho de Marcos, o homem que dezesseis anos antes matou
um eeb, iniciando um período sangrento da história. Com o fato revelado, Tomás
despencou nas pesquisas e muitos analistas já o apontavam sem chance na
disputa.
A verdade era que a relação entre humanos e eebs nunca fora
cordial. Depois de uma primeira etapa, em que os alienígenas compartilharam
seus conhecimentos e tecnologias, os terráqueos começaram a enxergar nos azuis
a culpa para todos os males. No primeiro ano de convivência, foram muitos os
atritos verbais até que Marcos Souza matou Jaz, um jovem eeb que namorava sua
filha.
O caso dividiu a população. Muitos acreditavam que os eebs
não deveriam ser molestados, já que possuíam natureza altamente pacífica. Mas
outra parte dos humanos resolveu agir com as próprias forças. Alienígenas foram
chacinados em diversos pontos do país. Aqueles que tinham melhores condições
financeiras fugiram para a Europa e para a América do Norte, mas a grande
maioria dos eebs trabalhava em cargos que pagavam pouco mais do que eles
dependiam para sobreviver.
Para evitar que a violência fugisse ao controle, o governo
da época criou um esquadrão para reprimir qualquer ataque a alienígenas.
Chamados apenas de “soldados”, independente de sua patente, e vestidos em
uniformes negros, estes militares utilizaram de grandes doses de crueldade para
que os eebs fossem deixados em paz. Em poucos anos, os casos caíram a
praticamente zero, mas ainda havia um ódio guardado no coração de muitos contra
os azuis.
Tomás usou este ódio a seu favor. Em vez de negar os atos de
seu pai, ele transformou a luta contra os eebs em sua bandeira. Seu plano de
governo falava em aumentar impostos para os alienígenas e em criar barreiras
para dificultar que eles conseguissem empregos ou financiamentos. No longo
prazo, qualquer pessoa com a pele azul deixaria de ser cidadã.
O discurso surtiu efeito e Tomás voltou a subir nas
pesquisas. Os adversários chamavam atenção para a falta de respeito com os
direitos humanos, ainda que os eebs não fossem humanos. A falta de carisma dos
demais candidatos serviu apenas para que Souza crescesse.
Tomás Souza conseguiu ir para o segundo turno, com cerca de
trinta por cento dos votos. Enfrentaria Diego Romão, que tinha apoio do então
presidente e dos principais líderes internacionais. Foi então que aconteceu o
segundo episódio que marcou a trajetória política do candidato.
Na véspera da votação, Tomás se reuniu com patrocinadores de
sua campanha. Todos gritavam o slogan do candidato: “Um país menos azul”. Souza
fazia questão de relembrar o ato de seu pai e era muito aplaudido. Mas, de um
momento para o outro, no meio de uma frase, ele se calou e caiu. Fora atingido
por uma bala, direto no abdome. Levado às pressas para um hospital, precisou
ser operado. Ficou entre a vida e a morte naquela noite.
O atirador, um homem de vinte anos que discordava dos ideais
de Tomás, foi morto pelos seguranças do partido. O candidato a vice-presidente
na chapa de Souza, contudo, enxergou uma oportunidade. Sequestraram e mataram
um eeb que morava próximo ao local da reunião e colocaram nele a culpa pelo
atentado.
Com Tomás em estado grave e um alienígena acusado de tentar matá-lo,
a opinião pública mudou. Dos trinta por cento do primeiro turno, Souza saltou
para mais de setenta por cento, um índice impressionante para qualquer
candidato. As pessoas saíam às ruas e queimavam bandeiras e camisas azuis, em
sinal de apoio à candidatura.
Já eleito, após uma internação de três semanas, Tomás foi
comemorar nos braços do povo. Tomou posse em dois meses e iniciou seu governo,
que foi marcado por acusações da oposição de ser corrupto e negligente com
questões sociais. Para se fortalecer, o presidente dissolveu o congresso,
aprovou uma nova constituição e determinou que era crime ser ou proteger
alienígenas.
Os soldados, que antes protegiam os eebs, passaram a
caçá-los. Todos eram mortos e seus cúmplices humanos eram levados para uma
penitenciária de segurança máxima apelidada de Fazenda. Lá, longe dos olhos do
povo, os acusados eram julgados sem direito a defesa e obrigados a realizar
trabalhos forçados.
O modelo da Fazenda se tornou lucrativo. Sem a mão de obra
barata dos eebs, cabia aos prisioneiros desempenhar as funções mais baixas de
hierarquia de trabalho. Logo o governo abriu novas Fazendas espalhadas por todo
o país.
Os quinhentos mil eebs que chegaram à Terra em pouco tempo
se transformaram em seis milhões. Em todo o país, eles eram cerca de dois
milhões quando Tomás foi eleito, mas estima-se que logo nos princípios de seu
governo ele conseguiu matar quase um milhão de azuis. Os demais ficaram
escondidos, sendo alimentados e protegidos por famílias que arriscavam as
próprias vidas diariamente.
Os opositores também foram presos como traidores e os poucos
que escaparam dos soldados formaram uma aliança rebelde chamada de Exército
Azul. Este grupo era responsável por diversos atos terroristas, como o
assassinato de agentes do governo e militares e a destruição de uma das
Fazendas. Os soldados tentavam identificar as lideranças e as bases do
Exército, mas pouco descobriram em quatro anos de governo.
Tomás Souza era um homem belo e carismático. Como leal
soldado do governo, Julia Flores mantinha em sua casa uma foto do presidente. E
nos últimos meses ela sentia como se Tomás a observasse, julgando-a pela grande
mudança em sua conduta. Para evitar os olhares do presidente, a soldado Flores
havia trocado a foto de lugar, colocando em um quarto que ela jamais
frequentava.
Devido aos seus muitos anos de treinamento, Julia mantinha
sempre uma arma ao lado da cama. Tinha sono leve e acordava a cada duas horas
para checar se estava tudo bem. No meio da madrugada, acordou e foi olhar pela
janela. Não havia nada. Nos últimos dias, ela se sentia duplamente ameaçada.
Era um alvo potencial para o Exército Azul e poderia ser denunciada pelos
vizinhos por esconder um eeb. Para garantir que Nek estava em segurança, ela
foi ao quarto da criança.
O pequenino azul dormia calmamente, mas acordou assustado
pouco depois de ela chegar ao quarto. Um barulho do lado de fora. Uma freada
brusca, som de aerossol e em seguida um carro acelerando. Flores correu para a
porta, com a pistola na mão, e viu o carro dobrando a esquina, em alta
velocidade.
O barulho também assustou os vizinhos, que acordavam e
acendiam suas luzes. Julia Flores achou melhor voltar para dentro de casa, antes
que alguém aparecesse fazendo perguntas. Mas ao virar-se para sua porta, a
soldado viu seu pior pesadelo. Um que nas últimas noites insistia em
assombrá-la. Uma enorme letra azul marcava a fachada de sua outrora segura
moradia.
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