segunda-feira, 14 de julho de 2008

O velho


O garoto caminhava na praça satisfeito. Voltava do colégio em um dia especial. A menina mais bonita da turma havia topado ir ao cinema com ele no final de semana. Já fazia planos para o futuro, quando tentaria o primeiro beijo, quando investiria em algo mais sério. Tinha apenas quinze anos, mas quem já teve esta idade sabe que ela nunca é limite para imaginar-se adulto.

Passou por alguns vizinhos no caminho, que o convidaram para uma partida de futebol na rua do meio. Recusou. Precisava ensaiar cada detalhe do encontro. Que filme veriam? Em que cinema? Onde comeriam depois? Que horas a buscaria? E que horas a levaria em casa? De ônibus ou de taxi? Era melhor pedir carona ao pai? O que falaria se o pai dela a levasse à porta?

Ainda na praça, pensativo, sentou num banco qualquer. Olhou para longe e qual foi sua surpresa quando viu um velho sentado dois bancos à sua direita. Os cabelos muito brancos já rareavam na cabeça. A barba cobria a face e ressaltavam as rugas ao redor dos olhos. A roupa já era muito antiga, com os punhos puídos, quase rasgando. Nos pés as unhas eram grossas e escuras e nas mãos as veias desenhavam acidentes geográficos diversos. Apoiado numa bengala, o velho sustentava seu corpo, já marcado por uma pequena corcunda. Ao olhar, o garoto não teve dúvidas: era ele mais velho.

Sabia que não poderia contar aquilo para ninguém. Parente ou amigo nenhum acreditaria que ele acabara de esbarrar consigo mesmo em idade avançada na pracinha perto de casa. O próprio menino duvidava. Tentava entender como que passado e futuro se uniram naquela vizinhança em que nada fugia ao ordinário.
Quando desistiu de achar o como, tentou descobrir o por quê. Seria um aviso, uma premonição, um sonho acordado? Qual seria o sentido da visão de seu eu idoso? O velho, em seu banco, coçava a cabeça e apreciava o sol da tarde.

O menino ficou triste. O velho sozinho, a péssima aparência, as roupas se desfazendo. Aquele era irremediavelmente o seu futuro e nada do que ele fizesse poderia mudar. De nada adiantaria o encontro do fim de semana, estudar para ir a uma boa faculdade, arranjar um emprego que pagasse bem, se no final da vida ele terminaria roto em uma praça. Enfurecido, levantou e foi para casa, jurando que mudaria seu destino.

De seu banco, o velho viu o menino passar. Os longos cabelos castanhos, o uniforme do colégio, os sapatos sujos de lama, as canelas finas. Mesmo muitos anos depois, ele sabia: aquele era ele mais novo. Lembrou da infância, do amor da família, dos amigos da rua, do encontro com a menina da turma. Na certa, não poderia contar o episódio a ninguém. Jamais acreditariam em um velho que diz ter se visto garoto na praça. Teria ficado horas pensando no passado, mas foi tirado de suas lembranças. Pouco minutos depois do menino passar correndo, sua filha e seus netos chegaram.