
Minutos antes da audiência, Renata e Rafael conversavam. Decidiam o que era de quem, o que cada um levaria com aquilo. Começaram por onde deveriam começar: as crianças. Por mais que Rafael achasse que poderia dar um bom lar para os filhos, sabia que o lugar deles era com a mãe e nenhum juiz do mundo diria o contrário. Como compensação, quis até ficar com o cachorro, mas também o cedeu a Renata, já que as crianças gostavam tanto do animal. Para arrematar, os filhos passariam os finais de semana com ele, que também teria direito a fazer visitas quando bem quisesse.
O próximo passo foi em relação aos imóveis. A princípio, parecia ser uma escolha fácil. Só havia dois imóveis: o apartamento do Leblon e a casa em Angra dos Reis. Renata disse que queria o apartamento e ele ficaria com a casa, que era bem mais cara. Rafael perguntou como ele faria para ir trabalhar todos os dias saindo de Angra. Depois, Renata rebateu, questionando que tipo de educação daria para os filhos numa cidadezinha. Bateram o martelo em uma troca justa. Venderiam os dois imóveis e comprariam dois apartamentos na Zona Sul.
Foi então que vieram os carros. Eram três: o esportivo que Rafael usava durante a semana, a minivan que Renata usava para levar os filhos no colégio e a pick-up que era utilizada em Angra. Renata achou que também seria uma boa idéia vender os três e comprar dois novos, com o dinheiro dividido. Rafael quase enlouqueceu. Não abriria mão do seu esportivo, nem para ficar com as crianças. Bateram boca por alguns minutos até que Rafael teve uma boa idéia. Como o carro dele valia quase a mesma coisa que os outros dois juntos, Renata poderia levá-los. O garoto mais velho já tinha dezessete anos e em alguns meses teria idade para dirigir. Ela poderia dar a pick-up para ele. Renata não gostou muito da idéia, mas aceitou.
Quando foram discutir o valor em conta, a coisa complicou. O dinheiro do casal estava dividido em alguns lugares: ações da empresa do pai de Rafael, as aplicações em uma conta corrente conjunta, a conta em que ele depositava o dinheiro para a educação dos filhos e um cofre deixado pelo avô de Renata em um banco na Suíça. Foi uma briga. Renata queria que tudo fosse dividido igualmente, meio a meio. Rafael afirmou que não abriria mão das ações, afinal, quando seu pai morresse, ele teria o suficiente para ser o sócio majoritário. Caso contrário, quem assumiria a cabeça dos negócios seria seu irmão irresponsável, sem aptidão para liderança. Rafael ficaria com as ações e Renata ficaria com o cofre. A mulher chiou. Nem sabia o que tinha naquele cofre, que nunca fora aberto. Poderia ter um velho diário ou barras de ouro; uma coleção de selos ou um saco cheio de diamantes. Rafael retrucou que, de qualquer forma, aquilo dizia respeito unicamente a ela e que não poderia ser dividido. A conta relativa aos estudos das crianças permaneceria intocada, já que os valores não pertenciam ao casal. No fim, só dividiram a conta conjunta, que já era dividida, mesmo.
Partiram para os bens materiais. Novamente, manteriam o que era das crianças fora da negociação. Descobriram que a grande maioria das coisas que tinham, tinham em dobro. Para cada televisão no quarto, havia uma na sala. Para cada aparelho de som ao lado da cama, havia outro perto da porta de entrada. Para cada vídeo cassete e aparelho de DVD, havia outro, quase igual. Em relação aos eletrodomésticos, Rafael nem brigou. Além de nem ter idéia de para que eles serviam, não iria utilizá-los mesmo. Deixou que Renata os levasse, em troca dos aparelhos de ginástica.
O próximo tópico que discutiram foi os amigos. Como dividiriam os amigos? Alguns, eram bastante óbvios. Os rapazes que jogavam golfe com Rafael ficariam com ele. As meninas do salão de manicura que Renata freqüentava, com ela. Os amigos de infância também não seriam problema, muito menos os que eram amigos das famílias e as amizades que surgiram nos ambientes de trabalho. Só tiveram mesmo que dividir os casais com quem costumavam sair.
Foram escolhendo tudo direitinho até que surgiu um problema: Miriam e Juvenal. Eles haviam sido os padrinhos de casamento. Renata alegou que deveria ficar com eles, já que as crianças era muito amigas dos filhos do casal. Rafael contra-argüiu, dizendo que seus pais gostavam tanto de Miriam e Juvenal que era como se eles fossem amigos de sua família. Renata disse que Miriam era sua melhor amiga. Rafael afirmou que Juvenal sempre fora seu confidente. Resolveram da seguinte forma: Rafael ficava com Juvenal e Renata com Miriam. Jamais poderia encontrar com o outro membro do casal.
Já que as coisas mais importantes já haviam sido debatidas, começaram a divisão das miscelâneas. As coisas mais femininas ficariam com Renata: bibelôs, abajures, colchas, porta-retratos. Rafael preferia os objetos mais práticos, úteis: chave de fenda, flanela, macaco do carro, furadeira. Quando os itens começaram a ficar mais pessoais, eles tiveram que escolher bem. Renata poderia ficar com todas as fotos, mas Rafael queria as fitas de vídeo. Os quadros seriam divididos de acordo com a preferência deles. Camas, mesas, cadeiras e sofás seriam vendidos e o dinheiro repartido. Foi então que Renata perguntou com quem ficariam os discos. Rafael, bastante pensativo, respondeu que ela, mais romântica, poderia ficar com os do Fagner e do Fábio Júnior. Para ele, apreciador das letras, restariam Caetano Veloso e Tom Zé. Os problemas surgiram com a pergunta seguinte: e os discos do Chico Buarque? Rafael cerrou os olhos, Renata mordeu os lábios. Duelaram com as palavras, sem que o outro cedesse, sequer, um milímetro. Por mais argumentos que fossem apresentados, a resposta era sempre a mesma: eu quero os discos do Chico para mim. Renata abriu mão das casas. Rafael ofereceu as ações da empresa do pai. Renata liberou alguns amigos. Rafael colocou em jogo seu carro esportivo. Renata, em um ato de desespero, abdicou da guarda dos filhos. Nenhum fez proposta que se equiparasse aos discos. Renata dizia que as músicas falavam muito mais para ela. Rafael alegou que gostava muito mais do compositor. Renata lembrou que Rafael não gostava de algumas canções. Ele abriu fogo, dizendo que ela reclamava da voz de Chico.
Em meio a tanta discussão, foram arrastados pelos advogados para a sala onde aconteceria a audiência. Cada um de um lado da mesa, se olhavam, esperando que o outro desistisse. Quando o juiz perguntou se eles já tinham chegado a alguma conclusão quanto à separação dos bens, Rafael e Renata levantaram-se e responderam, uníssono: não, ainda não estamos preparados para o divórcio.
2 comentários:
Como sempre um bom texto.
mto bom *-*
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