
Em dez de maio de 1970, dia ensolarado, mais ou menos três da tarde, surge à luz Aquenaton Dubois, menino forte, dez dedos nas mãos e dez nos pés. Quinze minutos depois, é parido natimorto o que seria seu irmão gêmeo Ramsés Dubois. De Aquenaton, jamais esconderam a morte do irmão idêntico. Fantasiava a possibilidade de trocar de lugar com Ramsés e quiçá nem os próprios gêmeos saberiam distinguir-se. Na adolescência, a ausência do irmão que nunca existiu se tornou patológica para o jovem. Decidiu que odiava tudo aquilo o que era original, único, singular. Para ele, o mundo perfeito seria repleto de cópias, clones de uma mesma matriz.
Aos vinte anos, Aquenaton foge de casa, um belo apartamento com vista para o Sena. Deixou também para trás este nome incomum que o pai – egiptólogo frustrado – lhe dera. Preferiu chamar-se Étienne, nome unissex corriqueiro entre os parisienses. Agora, ele não era mais Aquenaton Dubois; era qualquer um.
Passou a trabalhar meio período numa fotocopiadora. À noite, estudava medicina. Queria ser cirurgião plástico para deixar todos os seus clientes iguais: mulheres de seios fartos e narizes bem desenhados, homens de abdomens definidos e queixos quadrados. Seria sua utopia tornando-se real.
Quando terminou a faculdade, descobriu ser um médico medíocre e, assim sendo, não poderia pôr em prática seus planos maquiavélicos. Achou prudente se tornar terrorista, ofício tão comum nos dias de hoje. Seu primeiro ato foi bem planejado. Na calada da noite, invadiu uma oficina de tatuagens e destruiu todos os equipamentos. Repudiava os tatuadores; preferia os homens que marcavam gado com brasa incandescente. Quem estes tatuadores pensavam que eram, dando características tão individuais a seus clientes?
Finda esta etapa, Étienne percebeu que era necessário ousar. Queria um atentado que desse um recado inesquecível aos amantes da autenticidade. Estava disposto a atacar uma casa de leilões do Boulevard Saint-German. Por volta de uma da manhã, colocou uma tripa de tecido em uma garrafa de vodka, acendeu e arremessou o coquetel molotov mais ordinário da história pela janela da casa. Em minutos, todas as obras de arte estavam em chamas. Ele implicava com leiloeiros; apreciava mais os falsários. Por que valorizar tanto um exemplar se todos poderiam ter cópias em casa?
Para coroar sua trajetória terrorista, Étienne pretendia estremecer a sociedade francesa de uma vez por todas. Ao explodir o Louvre, a França deixaria de ser o maior pólo artístico mundial e passaria a ser apenas mais uma nação com museus de segunda categoria. Mas, para isso, o auto-sacrifício era necessário. Para ele, não fazia diferença. Entrou no museu com o casaco recheado de dinamite e antes da detonação, caminhou pelos corredores do Louvre. Olhou a Mona Lisa, os Escravos e a Vênus de Milo. Uma lágrima escorreu de seu olho esquerdo e, pela primeira vez, ele teve orgulho de si mesmo. Seu plano era perfeito, era único. Tão único, tão único... que ele desistiu.
* Conto terceiro colocado no concurso Encaixe a Frase da Revista Piauí de julho de 2007
2 comentários:
Eu não sabia que vc tinha ficado em terceiro..
Parabéns!
Foi terceiro, mas poderia ser primeiro.
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