O telefona tocava e ninguém atendia. Já era a quinta vez que ela ligava esta noite. A vigésima sétima, contando as ligações feitas durante o decorrer do dia. A resposta era sempre a mesma: depois de duas dezenas de toques, uma mensagem da operadora telefônica anunciava que a chamada estava sendo interrompida. As lágrimas corriam. Novamente, ela passava por aquela situação. Já deveria ter se acostumado, mas a algumas coisas nós nunca nos habituamos. Na sala vazia, as chamas de algumas velas desenhavam as paredes. O cheiro de incenso preenchia o ambiente. Pelas cortinas cerradas, era possível enxergar a claridade da rua, ouvir o barulho dos carros, as conversas dos casais. Sozinha, tomada pela sofreguidão, ela chorava, sem ninguém para consolá-la.
Mais uma vez, a mulher tentou usar o telefone. A resposta era a mesma. A mesma que ouvia nos últimos cinco dias, desde que ele pediu um tempo para pensar, para pôr a cabeça no lugar. Os homens são assim. Tão corajosos, tão fortes, tão incapazes de dizer adeus. Naquela esquina escura, prometendo um novo encontro, ele se foi, desaparecendo nas brumas do passado. Ela ainda ficou ali, chorando um pouco, se recompondo antes de ir para casa. Dele, ela nunca mais teve notícias, nunca mais soube. Só sabe da dor em seu peito, da tristeza que não será acalmada, da angústia não correspondida. Ela deixa-se levar pela escuridão da sala, deita-se no sofá e tenta outra vez o telefone. Ainda vai tentar outras duas vezes antes de desistir. Amanhã vai tentar mais uma e outra e ainda outra. O ritual será o mesmo, até que ela o veja na rua e ele não faça contato algum. Só então ela terá entendido o que aconteceu. Só então ela poderá compreender que ele se foi, que ele teve medo de dizer que não seria possível continuar.
Sozinha, depois de todo o tempo compartilhado, ela chora e fica triste por estar chorando por alguém que não vale a pena chorar. Ela cruza os braços, pensando em tudo o que foi doado, em quanto ela se entregou por alguém que nem teve postura para pedir perdão. Escondendo a face com as mãos, ela soluça, gagueja, e tenta mais uma vez. Sem respostas. Outra vez. Nada. Desolada, ela se entrega à própria sorte, debruçada sobre um amanhã incerto. Não há mais a sensação de segurança que sempre a envolvera. Ela está só, envergonhada de continuar tentando ligar para alguém que não mais se importa com ela. Chorando ela se deita no sofá e deixa o destino guiar sua vida e permite que os sonhos a enganem.
Sentado em sua cama, ele vê o celular tocar mais uma vez. Já é a quinta ligação desde o jantar. A vigésima sétima desde o dia raiar. Ele observa trêmulo a luz acender e o nome dela estampar o display. Fica ali, encurralado, sem saber se deve atender. Ele nem sabe o que sente. Abraçado a um travesseiro, ele se lembra do outro dia, quando, incapaz de qualquer ato digno, partiu, deixando a amada sozinha, chorando. Sozinho no escuro, ele se pergunta quanto tempo teria demorado até que ela voltasse para casa. O quarto repleto de móveis não deixa espaço para o sofrimento. Uma seqüência de sentimentos contraditórios o tomava, enquanto ele via a entrada de outra chamada. Ela ainda ligaria uma última vez, antes de ser derrotada pela amargura. Nos dias seguintes, continuaria ligando, até que ele a visse sorridente na rua. A aparente alegria da mulher transpassaria seu coração como uma faca, marcaria sua pele como brasa. Ele se abandonaria, infeliz, ao peso do futuro incerto.
Repensando a separação, ele nem sabe mais se os motivos que teve realmente são relevantes agora. Ele partilhou tudo o que tinha com ela, até mesmo aquilo que antes lhe parecia banal e hoje é sinônimo de confiança. Sentado em sua cama, ele acha que quer chorar, mas não chora, porque senão seria um perdedor, de chorar por uma mulher que ele abandonou e que ainda o procura. Ele lamenta a perda de alguém que ainda não está perdido. Desnorteado em um lugar familiar, ele acha que a separação foi culpa dela, mas sabe bem que foi por causa dele. Olhando o chão escuro, ele sente os olhos se umedecerem.
O telefone toca pela última vez. Ele espera que ela desista, que siga em frente e seja feliz sem ele, mas ao mesmo tempo, prefere não pensar no que vai acontecer. Sua garganta incha, os pulmões esvaziam e tudo o que ele sente é uma angústia não correspondida. Ele não sabe o que ela está pensando, não sabe se está sendo odiado ou amado, se ainda é querido ou se apenas vai ouvir o encerramento de uma vida. Ele acha que o melhor é deixar assim, terminando sem acabar, porque ele não é homem de dizer que é o fim, porque se ela pedir mais uma chance, ele vai dar. Ele se deita na cama, olhando para o teto, e espera que ela ligue mais uma vez. Só mais uma e tem que ser agora, porque amanhã, ele já vai ter pensado em outra coisa e toda a sua determinação terá minguado e ele será o mesmo tolo que a deixou, o mesmo tolo que agora adormece, sonhando com o que já não pode ter.
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