terça-feira, 8 de julho de 2008

Cobertura de guerra


O front sempre foi o sonho dele. Estar no meio da guerra, rodeado de tiros e explosões. O que para qualquer pessoa seria um pesadelo, para um jornalista é a realização de uma carreira. E mais que isso, a promessa de que tudo pode melhorar.

O repórter estava um dia a toa na redação, quando o editor lhe perguntou: você é casado? Não, senhor. Tem filhos? Também não. Quer fazer esta cobertura? Claro! Os olhos brilharam e o coração bateu mais forte. Voltou para casa, beijou o pai e a mãe e partiu para a guerra.

Alguns dias foram difíceis. Entrar nas regiões que o governo não controlava era sempre arriscado. Ainda mais nos dias de hoje, em que microfone e câmera fotográfica são alvos. Lá ia ele, atrás dos soldados, mais excitado que amedrontado.

Em alguns meses de cobertura da guerra, houve glórias e lamentos. Muitos companheiros se foram. Nas contas dele, cinco morreram durante a execução das matérias e mais dois foram vítimas do acaso em seus horários de descanso. Em compensação, havia a promessa de que assim que a guerra acabasse ele receberia um aumento e seria promovido a editor.

O pior momento, foi quando ele se tornou a notícia. Junto com uma tropa, ele e o fotógrafo invadiram uma área que havia sido abandonada alguns dias antes pelos rebeldes. Era duro ver os olhos das crianças arregalados. As mulheres que tentavam proteger a prole não sabiam ao certo se agradeciam a chegada dos soldados ou se se escondiam. Mas a guerra é assim mesmo, a gente nunca sabe quem é o inimigo.

Encostado em um muro, o repórter pediu que o fotógrafo fizesse algumas tomadas da zona agora ocupada pelas tropas. Ainda ali, escorando o muro, ele acendeu um cigarro e relaxou. Menos de três segundos após o primeiro trago — ele ainda soltava a fumaça retida nos pulmões — um disparo de artilharia pesada o atingiu. Um breve momento de silêncio profundo, a sensação de ardência, o gosto áspero do chão.

Acordou no dia seguinte, num lugar que provavelmente era um hospital de campanha. Estava sem a perna, amputada meio palmo acima do joelho. Também quebrara o braço com a queda e o rosto estava repleto de escoriações. Recebeu ordens expressas do editor para abandonar a cobertura, mas bateu o pé restante e ficou.

Por mais algumas semanas, o repórter fez o impossível para manter seus leitores informados. Ainda desajeitado com as muletas, ele corria atrás das notícias, mas raramente as alcançava. Depois de uma série de fracassos pessoais, deixou de lado o dia-a-dia do front.

Conforme prometido, veio o aumento e a promoção. Ele agora é editor de cultura. As muletas foram trocadas por uma bengala, que com o auxílio de uma prótese garante o equilíbrio e a locomoção dele. Os pais estão extremamente felizes que no fim o filho ficou bem. Ele está saindo com uma repórter de outro jornal e se tudo der certo, no próximo encontro ele a pede em namoro.

Mas, durante a noite, ele ainda sonha com a guerra. Vê os amigos morrendo, a população assustada e sua perna explodindo numa nuvem de sangue. O mais duro é saber que mesmo depois que acordar a guerra vai continuar ao redor dele, porque em algumas cidades é assim, a gente vive rodeado pela guerra.