Foram quinze longos dias. Mário aproveitou que tinha férias
vencidas no trabalho e passou quinze dias de pé. Quinze dias dando voltas no
quarteirão desenhado pelas ruas Siqueira Campos, Barata Ribeiro, Hilário de
Gouveia e pela avenida Nossa Senhora de Copacabana. Quinze dias esperando que
milagrosamente a Rua do Meio voltasse a aparecer, com seus bares e
restaurantes, com sua banca de jornais e suas amendoeiras. E com Tábata.
As pessoas que passavam pelas ruas do bairro, os camelôs e
comerciantes daquela vizinhança, já conheciam bem o repórter que tantas vezes
se aproximou para perguntar se alguém conhecia a Rua do Meio. Se alguém sabia
como chegar lá. De pé, na Barata Ribeiro, no local onde ele viu a rua que não
existia pela primeira vez, Mário era motivo de piadas.
Quando os quinze dias a que Mário tinha direito se esgotaram
ele foi obrigado a voltar ao trabalho. Munido das ferramentas comuns ao ofício
de qualquer jornalista (papel, caneta, internet, telefone e curiosidade), ele
pesquisou tanto quanto pode. Procurou políticos, médiuns, professores e pais de
santo. Até cartógrafos ele buscou em busca de uma resposta. Ninguém jamais
ouvira falar da tal Rua do Meio.
Toda noite, ao voltar para casa, ele ia até o lugar onde
deveria estar a rua em que ele conheceu a bela Tábata, mas achava apenas lojas
fechadas e prédios gradeados. Talvez fosse justamente o que ele temia: um
delírio. Mas as memórias eram vivas demais para que fosse apenas uma loucura.
Alguns meses se passaram. Mário ainda pensava com frequência
no que havia ocorrido, mas não estava mais determinado a buscar a rua. Foi
então que voltou a acontecer. Saindo de um restaurante na esquina da Atlântica
com a Constante Ramos, o repórter percebeu algo estranho. Uma rua que seguia da
Constante até a Santa Clara, separada da Domingos Ferreira por poucos metros.
Estava lá a Rua do Meio.
Muito mais comprida do que da última vez e com muitas
diferenças, a Rua do Meio ainda mantinha a mesma aura. Novamente, todo o
comércio estava aberto e muitas pessoas andavam pela rua, mas era
impressionante como o número de lojas havia aumentado.
A primeira coisa que Mário fez ao entrar na rua foi buscar a
banca de jornais, aquela mesma em que ele pedira informações da primeira vez.
Agora, comprou apenas seu maço de Yellows e voltou para a rua. Andou um pouco,
tentando achar Tábata ou o bar onde se conheceram, mas não havia sinal de
nenhum dos dois. Preferiu então explorar uma livraria.
A tal livraria parecia mais um sebo. Havia pilhas e mais
pilhas de livros usados e nenhuma identificação de seção, autor ou estilo. Em
um canto, algumas poltronas indicavam que os clientes poderiam ler as obras no
próprio local. De trás de uma enorme escrivaninha, um senhor muito pequeno com
os cabelos muito brancos fazia anotações em fichas pautadas.
“Boa tarde, senhor”, interrompeu Mário. “Com licença. Estou
procurando uma mulher.” O velho riu e tossiu um pouco. “Não tem nenhuma mulher
aqui. Só um velho livreiro e muitos livros. Se quiser algo, me peça. Ou vá
embora”, disse o velho.
O jornalista andou pelos corredores da livraria e folheou
muitos exemplares. Nada que ele conhecesse. Nunca havia lido nenhum daqueles
livros, nunca ouvira falar de nenhum dos autores. Preferiu pedir ajuda ao
velho.
“Queria uma ajuda, mas não sei nem como alguém poderia me
ajudar. Essa é a Rua do Meio, certo?”, Mário sentia que seria expulso do lugar.
O velho livreiro saltou de sua cadeira e disse já saber do que o repórter
precisava. Subiu em uma pequena pilha de livros, e de lá para uma pilha maior,
até conseguir alcançar um exemplar de capa marrom. O livro estava totalmente
destruído pelo tempo e as páginas pareciam que iam se soltar a qualquer
momento.
Mário perguntou se deveria ler o livro em uma das poltronas,
mas o velho resmungou, afirmando que seria uma leitura cansativa e ele
provavelmente precisaria dormir um pouco em algum momento. “Quanto é o livro
então?”, disse o jornalista, sacando a carteira do bolso. O livreiro apenas o empurrou
para fora da loja e fechou a porta. O repórter temia deixar a rua e só voltar a
achá-la meses depois, mas não via nenhuma solução melhor do que ler aquele
livro.
Em casa, no Bairro Peixoto, Mário deitou-se no sofá para
devorar aquelas páginas velhas. O livro estava todo escrito à mão, com uma
caligrafia difícil de compreender. Mas foi só insistir um pouco que a leitura
fluiu. A obra chamava-se “Rua do Meio – Mapas e indicações”. Não havia,
contudo, qualquer mapa, apenas palavras e mais palavras.
Foram praticamente dois dias lendo o livro sem parar para
comer, beber água ou usar o banheiro. E quanto mais Mário avançava nas páginas,
mais ele tinha certeza que não estava compreendendo nada. E tal e qual o velho
livreiro havia dito, assim que a última sentença foi concluída, o jornalista
sentiu um sono incontrolável e desmaiou no sofá.
Sonhou. No sonho, Tábata estava sentada no sofá junto com
ele. Seus cabelos estavam mais alaranjados, os olhos brilhavam como neon, as
sardas se uniam como constelações. Ela usava um vestido verde que desenhava seu
corpo com perfeição e quando falava sua voz não saía, mas era possível ouvir um
canto marinho correndo por toda a sala. Tábata então se levantava, agarrava
Mário pela mão e o carregava até a saída do edifício. Em frente ao prédio,
havia um imenso paredão, que não terminava em nenhuma das direções. Os tijolos
se seguiam eternamente para a direita, para a esquerda e para cima. Tábata,
então, largava a mão de Mário e corria em direção ao paredão, até desaparecer,
mas o jornalista permanecia estático. Num estalo, ela voltava a aparecer atrás
dele e cobria seus olhos com as mãos. Em seguida ela sussurrava outra canção
marinha em seus ouvidos e quando tirava as mãos da frente dos olhos, lá estava
a Rua do Meio. E Mário acordou.
O sonho havia durado menos de um minuto, tempo suficiente
para que ele se sentisse revigorado. Trocou rápido de roupa e correu para fora
de casa. Bem em frente ao seu prédio estava a Rua do Meio, que se desenrolava
imensa até a praia.
Desta vez, a rua parecia completa. Estava lá a livraria, mas
também estava o bar. A banca de jornais continuava próxima à esquina, e todo
aquele povo ainda perambulava pela rua, jogando conversa fora. Mário foi
instintivamente procurar o livreiro, para agradecê-lo e devolver o exemplar, na
esperança de que ele pudesse ajudar outra pessoa. Quando esticou a mão para
entregar o livro, todas as páginas se soltaram. E enquanto o jornalista ajudava
o velho a catar tudo, uma página diferente chamou sua atenção. Era uma página
amarela, de lista telefônica. E nela, uma linha estava sublinhada em vermelho.
“T. 323 – Rua do Meio, terceira casa, sobrado”
Era Tábata, só podia ser. “323. O que é 323?”, perguntou ao
livreiro. Era o telefone, segundo ele. Apenas três algarismos. Mário sacou seu
celular, mas a ligação não completou. Foi então que ele entendeu. Pediu uma
moeda para o velho, correu até um orelhão da Rua do Meio e de lá ligou. O
telefone chamou três vezes até que alguém atendesse. A voz era aquela mesma com
que ela sonhara, aquela que se confundia com um canto marinho, com uma sereia. “Achei
que você não fosse ligar”, disse Tábata.
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