quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O fim – Contagem regressiva (3 de 3)


– Pelo menos ele foi um cara legal – disse o velho sobre o homem que tomou a casa de sua filha e jogou os dois na rua. – Ele não precisava ter nos dado o carro dele.

A filha não via como um homem com uma espingarda na mão ameaçando matá-la caso não abandonasse a casa onde cresceu e viveu por quarenta anos podia ser um cara legal. Ela culpava o pai pelo que tinha acontecido, apesar de saber que aquilo não era exatamente culpa do velho.

O carro era bem antigo e a gasolina estava quase na reserva. Os dois dirigiram até cair em uma rodovia estadual, que estava completamente engarrafada. A única solução era deixar o carro desligado e empurrá-lo toda vez que o carro da frente andasse, para economizar gasolina.

As pessoas não pareciam mais elas mesmas. Quando o fim do mundo foi anunciado, todos pareciam ligeiramente conformados. Procuravam suas famílias ou simplesmente tentavam fazer uma última loucura. Havia confusão nas ruas, mas não havia violência. Mas agora que havia alguma esperança, parecia que a sobrevivência dependia de passar por cima dos outros.

Algumas pessoas que passavam a pé pela rodovia, no sentido oposto dos carros, diziam que mais adiante um homem tinha matado a própria mulher dentro de uma caminhonete. Isso porque ela havia fugido com o amante. Além disso, de tempos em tempos, um grupo de nove homens passava revistando alguns carros em busca de suprimentos escondidos.

Quando a noite caiu, o velho pediu que a filha ficasse dentro do carro para dormir. Alberto se sentou sobre o capô do carro e ficou vigiando para se certificar de que nada de mau acontecesse com Carla. Hugo, o cachorro, ficou o tempo todo alerta ao seu lado.

O sol nasceu lembrando a todos que aquele era o dia que ninguém queria que chegasse. O dia em que o meteoro finalmente se chocaria contra a Terra. Os carros não se moviam na rodovia há horas e Alberto tinha certeza que aquele não era o caminho para a sobrevivência. Alberto puxou Carla pela mão e se enfiou na mata, em busca de um lugar alto e protegido para se esconderem.

Carla havia guardado em uma sacola algumas latas de comida. Salsichas, milho verde e sopa de ervilha. Um banquete para um dia como aquele. Ela e o pai se sentaram na sombra de algumas árvores e aproveitaram o que poderia ser a última refeição. Para aproveitar o tempo em que estavam parados, Alberto ligou um pequeno rádio.

“Notícia ruim para os moradores do Rio de Janeiro”, dizia o apresentador da única estação que o velho conseguiu sintonizar. “De acordo com um novo relatório da Nasa, o estado será atingido pelo meteoro que se aproxima da Terra. O local mais provável da queda é o sul do estado.”

O sul do estado do Rio de Janeiro. Justamente onde fica Itatiaia, a cidade em que Carla cresceu, a cidade em que eles estavam agora. A busca por um lugar segura nunca foi tão necessária e era a diretriz primária de Alberto. Ele pediu que a filha levantasse imediatamente.

– Não! – ela gritou. – Eu não vou continuar fugindo! Eu estava quieta na minha casa, esperando o destino chegar, quando você apareceu. Eu não queria me proteger, eu não queria fugir. Eu só queria morrer. Morrer quieta e em paz. Mas você tirou isso de mim. Se você acha que pode sair correndo e arrumar um lugar para se esconder, vá em frente! Mas não me leve com você!

Alberto ficou atônito. Não teve qualquer reação além de sentar-se novamente. A tarde avançava, quando Carla finalmente se levantou. Mas não parecia que ela estava indo procurar abrigo. Era mais como se ela estivesse simplesmente entediada por estar sentada ali. O pai limitou-se a segui-la.

Os dois caminharam por duas horas por dentro do mato. E continuariam andando, se não fosse por uma barreira no meio do caminho. Um muro. O muro de uma base militar escondida entre as árvores. Do alto do muro, um soldado gritou para dentro da base:

– Eles não estão armados – e imediatamente, o portão da base se abriu. Um homem alto, de uniforme verde oliva e cabelos raspados, os recebeu. No peito, o nome era Pinheiro. E pelas duas estrelas no ombro, Alberto podia supor que o homem era primeiro-tenente.

Aquela base, segundo o primeiro-tenente Pinheiro, era um posto escondido do exército. O lugar não era grande. Contava com um paiol de munições e armas, uma pequena área de treinamento, dormitórios para cerca de duzentos homens e, a joia da base, um abrigo subterrâneo.

– Temos nesse abrigo alimentos suficientes para ficarmos protegidos por mais de cinco anos – afirmou Pinheiro. – Acreditamos que cinco anos após a queda do meteoro boa parte da população mundial terá sido dizimada. Os humanos restantes estarão fracos, sem comida e sem água potável. Quando este período acabar e voltarmos para a superfície, estaremos em clara vantagem.

– E se nada acontecer? E se o meteoro for um alarme falso? – instigou Alberto.

– Impossível, senhor – respondeu outro militar. – Os especialistas do exército têm certeza que o impacto do meteoro sobre a Terra será muito grande. E nós não estamos dispostos a encarar a extinção. Além disso, temos uma grande antena de rádio e televisão – o homem apontou para a antena no canto do pátio. – Se as transmissões forem interrompidas, nós saberemos que a humanidade pereceu.

– Nós abrimos os portões porque queremos ajudar vocês – disse Pinheiro. – Já resgatamos alguns civis, que estão se acomodando no abrigo. O problema é que só temos lugar para mais uma pessoa. E o cachorro não será aceito. Decidam-se, pois não temos muito tempo mais.

Ao dizer isso, o primeiro-tenente apontou para o céu. Anoitecia, mas era possível ver o meteoro se aproximando, riscando o céu com fogo. “O apocalipse”, pensou Alberto. O velho não tinha dúvida. Se só havia uma vaga, o lugar era de Carla. Ele precisava proteger a filha, dar uma nova razão para a vida dele. Mas ao virar-se para ela, percebeu que Carla já estava entrando no abrigo, seguindo os militares.

– Filha...?

– Não há nem o que discutir – ela estava mais áspera do que de costume. – Se você veio para ficar bem comigo, fique tranquilo. Seu sacrifício vai fazer com que todo o meu rancor passe. E, afinal, será um confinamento de cinco anos. Você já é um velho, não duraria tanto tempo.

Sem se despedir, a filha entrou no abrigo, trancado imediatamente depois. Alberto ficou olhando para a escotilha no chão. Não acreditava que Carla pudesse ser tão fria ao abandonar o pai para a morte. Ao menos o cachorro ainda lhe fazia companhia.

Alberto e Hugo saíram da base e foram para um espaço descampado. O velho sentou-se no chão e ficou admirando a imensa rocha incandescente que descia dos céus. Era belo, mas ao mesmo tempo aterrador.

Às oito e vinte e sete da noite, o meteoro se chocou contra o solo. Caiu a alguns quilômetros de onde Alberto estava com o vira-latas. O chão tremeu imediatamente, como um grande terremoto. Depois, uma onda de ar e poeira varreu o solo. Árvores caíam e instalações elétricas pegavam fogo. O velho foi atingido de frente pelo impacto do ar. Seu corpo foi jogado ao chão. E enquanto o cachorro gania, a visão ficou turva e o mundo escureceu.

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