segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

A rua paralela – O suspeito e a lei (3 de 5)


A Rua Paralela, como os moradores da Rua do Meio a chamavam, mesmo sendo parte da Rua do Meio, era bem vasta. Enquanto a Rua do Meio tinha uma arquitetura que mesclava o moderno com o clássico, a Rua Paralela era extremamente moderna, com prédios muito altos, diversos letreiros e carros correndo a toda velocidade pela pista. O jornalista mal conseguia supor quantas pessoas viviam ali.

Mário e a engenheira seguiam o homem de cabelos compridos negros a uma certa distância. Com os livros debaixo do braço, ele era o principal suspeito da morte do livreiro, roubo de sua obra e destruição da Rua do Meio. Sem qualquer esquina e com prédios imensos, a rua era um interminável fiorde de concreto e neon.

Eles não entendiam bem o motivo, mas o suspeito já havia atravessado toda a rua, chegando novamente a seu começo. E não parava de andar. Lá estava o banco outra vez. De novo passando pela porta da loja de departamento. E mais uma vez a sede da empresa de água e energia da Rua do Meio. Talvez o homem soubesse que estava sendo seguido. Ou quem sabe ele estivesse procurando alguma coisa.

“Isso é divertido, sabe?”, a engenheira ria. “Melhor do que cuidar de doentes ou reconstruir casas. Sua rotina é sempre assim?” O jornalista negou com a cabeça. Em geral, seus dias eram pacatos. Exceto quando estava envolvido com o caso de Tábata. Nesta época, ele sentia como se estivesse ficando louco.

Em determinado ponto da rua, havia uma barraquinha de cachorro quente, onde o homem parou para comer. Apoiou os livros sobre o vidro do balcão e comeu com calma, tomando uma lata de refrigerante. Cold Cola, mais uma dessas marcas que só existem na Rua do Meio. Mário achou a cena curiosa. O sujeito sombrio tomando uma bebida sem álcool. Definitivamente fora dos estereótipos.

O jornalista queria se aproximar e ouvir sobre o que o homem falava com o vendedor de sanduíche, mas tinha medo de ser reconhecido. Não sabia se o suspeito se lembrava dele naquela tarde na livraria do falecido velho. Manteve a distância, um pouco escondido atrás da engenheira.

O homem de cabelos compridos finalmente terminou de comer. Pagou, acenou para o vendedor e foi embora, deixando para trás os livros sobre o balcão. Já estava a o que seria um quarteirão de distância quando Mário finalmente resolveu agir. Andou apressado até o barraquinha para pegar os exemplares. Talvez eles dessem alguma pista do que estava acontecendo, tivessem alguma anotação. Quando estava praticamente com as mãos nos livros, amarrados com uma corda antiga, o repórter quase caiu para trás. Eles simplesmente saíram voando, na direção do suspeito. “Os ignorados estão mesmo com ele”, sussurrou o jornalista.

Na porta de um prédio baixo, de três andares, um dos poucos da rua, o sujeito parou. Ficou olhando a fachada até que os livros voadores chegassem à sua mão. Em seguida, falou alguma coisa inaudível e entrou. Mário ordenou que a engenheira aguardasse do lado de fora enquanto ele interpelava o homem, mas ela não obedeceu. Os dois subiram os poucos degraus da entrada do prédio e acharam o suspeito sentado atrás de uma grande escrivaninha, com os pés para cima.

Com cautela, o jornalista pegou um pedaço de pau que estava encostado em um canto e avançou. Pretendia deixar o homem desacordado, amarrá-lo e só depois interrogá-lo. Seu plano caiu por terra quando algumas armas voadoras foram apontadas em sua direção. Estava cercado por ignorados.

“O senhor se incomodaria de largar este pedaço de pau”, o cabeludo nem se dava ao trabalho de olhar para Mário e a engenheira. O jornalista obedeceu, fazendo com que as armas – e os ignorados – se afastassem. “Quem é você?”, a mulher deixou a pergunta escapar.

O suspeito se levantou e apontou duas cadeiras para que Mário e a engenheira se sentassem. “Ora, eu sou o xerife. Vocês não me conhecem?”, o homem mostrava uma insígnia enferrujada que guardava na parte de dentro da jaqueta. Os dois negaram. “O que querem?”

Mário apontou para os livros. “Queremos o que você e seus homens roubaram da livraria da Rua do Meio”, disse o jornalista. “Você não sabe do que está falando”, rebateu o xerife. “Eu estou salvando estes livros.”
O xerife puxou da gaveta um cachimbo e um pouco de fumo. Enquanto acendia, tentou colocar o repórter e a engenheira a par de suas ações. “Eu e o livreiro éramos amigos. Chegamos à Rua do Meio na mesma época. Não demorou muito até que eu virasse o xerife e ele me ajudava. Por ser um turista, e poder ir e vir quando bem quisesse, ele saía sempre que era preciso seguir alguma pista até o mundo-além-da-esquina. Além disso, juntos nós escrevemos a lei”, o xerife desamarrou a corda que unia os livros e pegou o mais grosso deles. “Essa é a lei, a constituição que rege a Rua do Meio. Foi isso que eu fui buscar lá na livraria naquela tarde antes de você partir. Sim, eu sei que você estava observando.”

O homem estendeu o braço com o livro na direção de Mário. O jornalista abriu o exemplar e comprovou que havia sido escrito pelos dois. Na folha de rosto “Livreiro e Xerife” assinavam a lei. “Mas você está com os ignorados. E eles roubaram a livraria quando a Rua do Meio foi destruída.”

“Ignorados...”, o xerife parecia se divertir com a palavra. “O livreiro me contou que você os batizou assim. E você está certo, eles são ignorados. Criaturas invisíveis e intangíveis, sem fala e sem nomes. Até pouco tempo eles eram ignorados mesmo. Viviam perdidos pelas ruas, roubando para comer e trocando coisas de lugar apenas para irritar as pessoas como nós. Mas eu os descobri. Eu dei para eles um trabalho e um propósito. Hoje eles são minha força policial. E não são mais ignorados por aí.”

“Além disso”, prosseguiu o xerife, “eles não roubaram nada. Quando um dos refugiados da Rua do Meio conseguiu atravessar uma das portas dos fundos, ele veio me avisar. Assim que pude, mandei os ignorados até lá para resgatar todos os livros. Um deles ainda achou o livreiro com vida, mas não conseguiu socorrê-lo.” O homem parecia legitimamente triste, como se realmente falasse de um amigo. “Eles trouxeram os livros para cá. A lei, o livro das criaturas, os manuais sobre a Rua do Meio. Está tudo aqui. Mas alguns ignorados foram pegos no caminho. Assassinados. Os livros que eles carregavam foram capturados. Estou tentando descobrir quais, para poder determinar o interesse do interceptador.”

Mário anotava boa parte do que o xerife falava. Costume de repórter. “E quem são esses assassinos?”, perguntou. O homem de cabelos compridos soltou uma larga nuvem de fumaça. “Criaturas não catalogadas. Seres novos na Rua do Meio”, disse o xerife.

“Uma criatura como aquela?”, questionou a engenheira, com olhos arregalados e dedo em riste. O ser deformado, de corpo irregular havia invadido a delegacia. Com enorme velocidade, a criatura derrubou o jornalista e a mulher. Foi embora carregando um dos livros que estava sobre a escrivaninha. E a cabeça do xerife.

Nenhum comentário: