segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Biografia – Não fui sincero com você (1 de 6)



Ao longo de seus trinta e seis anos (trinta e nove, mas ela insistia em mentir a idade), Camila tinha acumulado um interessante rol de relacionamentos. Contando apenas os que duraram mais de dois meses, foram quatorze. Quatorze namorados ou quase namorados que por um certo tempo a amaram loucamente. Camila era uma mulher intensa, em todos os sentidos. Amava às últimas consequências, brigava como se fosse o fim do mundo. Nos tons de cinza entre um e outro, era uma boa confidente, sabia guardar segredos, era extremamente atenciosa e fazia valer sua vontade. Tinha muitas qualidades, mas entre elas não estava o talento para escolher presentes. Quando começou a namorar Bruno, há cinco anos, deu de presente um CD com uma coletânea do melhor da Bossa Nova, sem se tocar que o namorado só escutava músicas estrangeiras contemporâneas. Depois disso deu um perfume que Bruno nunca usou por ser alérgico e camisas menores do que ele costumava vestir. Para não errar, no último Natal ela deu um simples vale-presente de uma livraria.

Bruno não gostou. Por mais que os presentes fossem sempre tiros n’água, pelo menos eles representavam o esforço da namorada em agradá-lo. Sempre houve nele uma pontada de esperança de que um dia ela fosse acertar em cheio. Dessa vez, parecia que ela tinha escolhido a opção mais preguiçosa. E menos carinhosa. O vale-presente ficou rolando na carteira de Bruno por algumas semanas, até que Camila decidiu se distrair mexendo em seus pertences. Achou o vale, já um pouco amassado, entre a carteira do plano de saúde e o cartão do banco. A data de expiração mostrava que dois dias depois o presente seria só um vale mesmo, não podendo ser trocado por um livro.

No sábado, com o shopping cheio, Bruno foi tentar trocar o vale-presente. Não era acostumado a leitura e tinha o péssimo hábito de dificilmente passar da metade dos livros que comprava. Sem saber ao certo o que queria, percorreu os corredores da livraria em busca de algo interessante. Viu um exemplar de capa bonita, mas que a contracapa indicava que era uma leitura muito densa; não era para ele. Tinha aquele clássico da literatura francesa, mas recentemente lançaram aquele filme com aquela atriz famosa que adaptava a história. Ele esbarrou em um livro sobre sua série de TV favorita, mas era uma dessas obras que analisa a cultura pop do ponto de vista da filosofia. Talvez levasse um livro espírita qualquer, afinal estava precisando se encontrar consigo mesmo, se entender melhor. No caminho para a seção de livros religiosos, passou pela bancada dos best-sellers. Ali, viu que umas oito pessoas se empurravam, ombros com ombros, na tentativa de pegar um livro de capa branca com letras vermelhas.

Aparentemente, não era o novo capítulo daquela série medieval com dragões e feiticeiros. Nem um desses livros que misturam crimes com conspirações de sociedades secretas. Também não parecia dessas histórias que estavam mais para cartas dos leitores de revistas de mulher pelada do que para algo que deveria ser vendido em uma livraria. “Não fui sincero com você” era o título do livro. Bruno enfrentou a pequena aglomeração e conseguiu puxar um exemplar da pilha. O livro não era grosso; tinha menos de duzentas e cinquenta páginas, com letras grandes e linhas espaçadas. A orelha dizia que era “uma história de um homem real que não mede esforços para conseguir o que quer e pode passar por cima dos que o amam para conseguir o que quer”. Parecia chato e simplório, mas um detalhe chamou a atenção de Bruno: o protagonista da obra era um homônimo. Bruno Castro encarava um livro cujo personagem principal também se chamava Bruno Castro. Pela curiosidade, ele levou o exemplar.

Camilo ficou bastante satisfeita com a aquisição do namorado. Apesar da impessoalidade do vale-presente, ela agora sentia como se tivesse escolhido o próprio livro de capa branca. Bruno estava empolgado com o pequeno resumo que tinha lido, já que o personagem, como ele, era bancário, tinha quarenta anos, era solteiro, nascera no Catete e morava atualmente no Leme.

– Até uma Camila ele namora! – Bruno falava mais alto do que de costume. Durante todo o jantar, ele só conseguia falar do livro, do qual ainda não tinha lido um parágrafo sequer. Era tanto entusiasmo que ela dispensou o namorado para que ele pudesse se dedicar à leitura. Antes disso, eles mal conseguiriam conversar sobre qualquer outro assunto.

Normalmente, o livro passaria dias, quiçá semanas, jogado sobre a mesa da sala, ainda dentro do saco plástico, antes que Bruno sequer o folheasse. A coincidência de nomes, porém, fez com que ele se acomodasse no sofá para iniciar a leitura. Ele atravessou a madrugada, sem conseguir parar. Às vezes, pulava algumas páginas só para saber o que aconteceria na história mais adiante. Estava perplexo com o que lia. Havia uma boa dose de familiaridade no que ele lia. Quando finalmente virou a última página, não sabia ao certo o que fazer, não sabia como encarar aquelas palavras. Puxou o celular do bolso e ligou para Camila, que àquela hora ainda não estava acordada.

– O que foi, Bruno? Você está bem? Por que me ligou a essa hora?
– O livro, Camila... O livro é uma biografia. A minha biografia



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