quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Biografia – Capítulo 12 (4 de 6)


Cinco anos depois da formatura, a turma da faculdade se reuniu. Estavam em um botequim que frequentaram na época das aulas. Era um desses pés-sujos onde pedreiros almoçam às onze da manhã e os universitários dominam desde o início da noite até a madrugada. Um gol da década de noventa com potente sistema de som ditava a música de fundo da conversa do grupo.

Apesar do grande apreço que tinha pelos amigos, Bruno demorou a se decidir se ia ou não no encontro. Guardava uma ponta de vergonha por trabalhar como caixa de banco enquanto a maior parte dos amigos se sentava em belos escritórios de empresas bem-sucedidas. Acabou sendo convencido pela irmã, que também estudara na mesma faculdade alguns anos depois. A Suzana estará lá, você sabe, ela disse.

Suzana. Na época da faculdade ela fazia os corações dos rapazes baterem mais forte. Tinha um jeito rebelde que encantava, mas nunca deu bola para o pessoal da própria turma. Preferia andar com os veteranos ou com a turminha da maconha, que sempre oferecia um tapa quando ela estava sem grana para comprar o próprio baseado. Para ela, Bruno sempre foi apenas um amigo. Um amigo com quem ela podia se abrir. Um amigo em quem podia confiar. Nunca rolou nada, exceto por um beijo que ela não se lembra, mas que Bruno contou para alguns colegas. Ela estava muito bêbada e se insinuava para ela, mas Bruno apenas cuidou para que ficasse tudo bem enquanto ela dormir no banco de trás de seu carro.

Se na faculdade, quando eram grandes amigos, ele nunca teve chance, talvez agora, quando a amizade remetia a um passado quase utópico, o pensamento dela fosse diferente. De fato, ela estava diferente. Mais refinada, mais elegante. A paixão platônica se reacendeu assim que Bruno a viu na frente do bar. Ela era a única que não estava bebendo. Tive uns problemas com bebida, então estou só na água com gás, ela brincou, apontando para o copo com gelo e uma rodela de limão.

Além de Suzana, compareceram ao reencontro Marcos, Fabrício, Renara e Camila. A primeira conversa com Marcos fez com que Bruno imediatamente esquecesse a vergonha por ser bancário. O colega, um dos mais inteligentes da turma, estava desempregado há mais de um ano, vivendo às custas de uma magra pensão da ex-mulher. Sua vida se resumia a carregar o filho para a escola, para o curso de inglês, para o caratê, para o futebol. Fabrício, que nunca foi exatamente da turma, mas estava namorando com Renara, era gerente de projeto avançado de uma multinacional. Ele explicou exatamente o que fazia, mas ninguém entendeu. Já ela, tinha cursado uma segunda faculdade e agora trabalhava no departamento de marketing da mesma empresa. Camila trabalhava em uma franquia de agências de viagens e se dizia muito empolgada com a meditação transcendental, que tinha descoberto há poucos meses.

Não importava quem estivesse falando, os olhos de Bruno acompanhavam Suzana para onde ela fosse. Sentia-se enciumado quando Marcos ou o garçom ou um conhecido que passou pela rua conversavam com ela. Chegou a dar um esbarrão “acidental” em um abusado que a abordou sem qualquer cavalheirismo.
Quando Suzana finalmente se afastou ele foi atrás. Ela entrou no banheiro do boteco e ele ficou esperando próximo ao balcão. Assim que ela saiu, ele tomou coragem para se aproximar, mas sentiu uma mão fazendo carinho em suas costas. Era Camila.

Camila era bonita, mas não tanto quanto Suzana. Muito atraente, mas discreta se comparada à colega. Simpática, mas sem metade do carisma da outra. E, diferente de Suzana, estava interessada em Bruno. Enquanto Suzana ia para a parte de fora do bar, Camila segurava o rapaz lá dentro. Perguntava se ele estava solteiro, se tinha planos para mais tarde, se ele tinha uma queda por ela na época da faculdade. Sim, não e não, ele respondeu. Nem um pouquinho? Eu era gamada em você. E aí, ele confessou, meio da boca para fora, que sempre achou ela muito interessante. Encurralado pela moça, Bruno deixou-se beijar. O beijo durou mais de dez minutos. E durante todo esse tempo, ele não conseguiu parar de olhar para Suzana.

***

– Você estava pensando na Suzana enquanto me beijava? – as palavras de Camila saíam alguns decibéis abaixo do que poderia ser considerado um grito.

Camila sacudia o livro de capa branca com letras vermelhas como se com aquele movimento Bruno fosse capaz de saber do que ela estava falando. Diante da falta de reação do namorado, ela atirou o livro nele, atingindo-o no ombro.

– Camila, você não deveria considerar o que está escrito neste livro. Ele foi escrito por alguém que me odeia e quer me prejudicar.
– Então isso nunca aconteceu?
– Eu não sei se aconteceu... Mas se aconteceu, não teve nenhuma importância.
– Talvez não tenha importância para você, mas para mim aquele era um momento mágico. O momento em que ficamos juntos. E saber que nem tudo foi como eu imaginei está partindo meu coração.
– Camila, eu... – Bruno tentou se aproximar, mas ela deu um passo atrás e fechou os braços sobre o peito, protegendo-se.
– Eu só preciso saber de uma coisa. No dia do reencontro da nossa turma, no dia em que nos beijamos pela primeira vez, a sua intenção era ficar com a Suzana e você acabou tendo que se contentar comigo?

Bruno não negou. Não respondeu. Não havia resposta certa ou, pelo menos, satisfatória para aquela pergunta. Camila cruzou a sala, abriu a porta de seu apartamento e baixou a cabeça, esperando que ele fosse embora. Ele foi.

Pela rua, voltando para casa, ele não conseguia parar de pensar no livro. Algumas páginas escritas por vingança e a vida dele havia mudado completamente. E o que o Giovana ganha com isso?, ele pensava. Nunca saberia.

Na porta do prédio de Bruno, um homem aguardava apoiado no muro. Tinha um bloco na mão e tentava puxar assunto com quem passasse. Ao ver Bruno dobrando a esquina, puxou do bolso um papel com uma foto impressa e comparou com o rosto do bancário.

– Você... Bruno? Bruno Castro? Meu nome é Cosme, eu trabalho para o jornal Primeira Página. Estou fazendo uma matéria sobre o seu livro...
– Não é meu livro.
– Bom, estou fazendo uma matéria sobre o livro “Não fui sincero com você” e gostaria de conversar um pouco contigo, saber o que você achou...
– Nada a declarar!

Bruno abriu o portão, subiu as escadas e se trancou em seu apartamento, como se aquela porta de madeira pudesse isolá-lo do resto do mundo. Por uma fresta na persiana, viu que o repórter ainda abordava os vizinhos. Não via como sua vida medíocre podia piorar ainda mais e acabou se lembrando de uma frase de Sandro Pestana. Em vez de ficar com raiva, aproveite a pequena imortalidade. O bancário desceu as escadas correndo e chamou o repórter.

– Cosme, não é? Pois bem, eu teria prazer em falar sobre o livro com você.

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